segunda-feira, janeiro 29, 2007

Vinte e um gramas






Jeff Buckley era uma mulher preta e gorda, soberana, sabiamente envelhecida e cansada, no miserável corpo escanzelado de um homem branco, demasiado novo, demasiado despenteado.
Ou então, foda-se, era um gajo que não devia ter morrido.

JB

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Dá-me de força

Pontapés nas canelas, arranhões nas costas, nódoas negras nos braços, joelhadas nos genitais, corpos semi-nus encavalitados, o toque do latex na pele... O polo aquático é uma forma dissimulada de sado-masoquismo. JB

Já para não falar de que o bigode está outra vez na moda,

deixei de me interessar por filmes de ficção científica depois de ver um anúncio à nova Gillette Fusion Sensitive Turbo Diesel Ignition Nitro Power Compressor 4x4. JB

terça-feira, janeiro 23, 2007

E agora, uma ideia e uma asneira

A democratização da democracia é uma merda.

BF

domingo, janeiro 14, 2007

A propósito de maleitas

Se há doença hereditária que me preocupa, é a infertilidade. BF

Santa inocência

Só no outro dia, ao observar um quadro cubista, é que me dei conta de que o Fifa 94, mais do que um jogo para a Mega Drive, era um instrumento avançado de pedagogia infantil na área da História da Arte. BF

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Processo ordinário

- A tua vara também é de pequena instância? JB

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Um grande Hurra para 2007


Maria Sharapova

Com o devido fashionable delay e um rasgo de poliglotismo. BF

Mesmo, mas mesmo mesmo barato

"Estudo: Nascer em Badajoz é mais barato do que em Elvas"

Mas ainda andam a contar os tostões, agora que o governo alemão dá 5 mil contos de bónus de vitória por cada Hans que nasça? BF

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Inócuo (porque o vácuo é primo da vaca)*

Abro os olhos precisamente uma hora depois de os ter fechado. Não sou gajo para adormecer à frente da televisão - imaginava-me esse tipo de sujeito apenas daqui a umas décadas, quando já não precisar de me cultivar, homem sagaz e instruído que serei, mas a cena é que ainda estou numa fase de formação intelectual. E perder uma hora do “Clube Morangos” é capaz de não ser dos moves mais didácticos, tendo em conta a pessoa que eu quero ser. Fico desiludido comigo quando não tenho a disciplina suficiente para fazer o melhor para o meu futuro. Eu sei que consigo enfardar mais cereais à frente da televisão a ver o “Dança Comigo”. Eu sei que tenho capacidade para fazer mais e melhor. Tomo por isso a decisão de compensar à noite. A programação da televisão generalista tem esse lado solidário, dá-nos sempre uma segunda oportunidade de enriquecimento intelectual. E uma terceira. E por vezes uma quarta. Até conseguirmos comer quase tão bem de boca aberta como Pedro, o Milionário. Alguém que se preocupe minimamente com o seu futuro sabe do que falo. Mas não era sobre isto que vos queria falar.

Vinha falar-vos, isso sim, do Processo de Bolonha e das suas implicações no crescimento da população de moscas-da-fruta equatorianas. Não, estou a brincar. Apanhei-vos, ein? Já estavam quase a virar a página e a pensar “Que chatice! Outra vez a falarem sobre as moscas-da-fruta equatorianas”, quando de repente vos surpreendi, não foi? Ai, isto foi muita giro.

Bom... eu vinha mesmo falar-vos daquilo com que comecei o texto: a vasta oferta de entretenimento de qualidade na televisão portuguesa. Considero que é um bom tema. A minha mãe também considera. Aliás, eu perguntei-lhe: “Mãe, consideras este tema um bom tema?” e ela disse “Considero”. E a verdade é que fui eu que o escolhi. Poderia parecer a uma primeira vista que eu não tenho grande coisa para partilhar convosco sobre esta matéria e que me perco em rodeios evasivos completamente inúteis, mas, reparem, nada mais precipitado. Tomem o exemplo das miragens. Um indivíduo parece que vê qualquer coisa e depois, pimba, não era aquilo que parecia que via. Estão a ver onde quero chegar? E se o sítio onde quero chegar mais não seja que a tal miragem? E eu mais não esteja do que a encobrir a falta de conhecimento que devia possuir para escrever este artigo? Nesse caso, a perspectiva real seria a de que de facto sou uma má escolha para escrever sobre novelas recicladas e versões teenager do Big Show Sic. Mas e se o aparente vazio de substância que vos ofereço não passe de uma maneira de veicular a ideia de vacuidade do próprio objecto sobre o qual me propus escrever?

* (Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF

O Download Idealista*

Penso sempre duas vezes antes de premir o botão. Penso ao ritmo trémulo dos dedos que gotejam, atormentados com a propaganda intimidatória que de súbito descobri. Desde que me senti ameaçado que olho para este pedaço de plástico de maneira diferente. Este botão, amigos, não é um botão qualquer. Gosto de pensar nele como um botão-mealheiro, um botão-amigo. E a verdade é que me tem possibilitado experiências verdadeiramente maravilhosas. Diga-se mesmo, em jeito de nota, que já me proporcionou umas férias estupendas, de tão wallet-friend que é. Mas este botão é também, inevitavelmente, um botão em perigo. Sucessivas ameaças e ataques sobre o uso indiscriminado e imoral da tecla têm-me feito reflectir duramente sobre a minha legitimidade para o fazer. Dizem-me que estou a tirar o pão da mesa a malta que, deste modo, mal tem para comer. Que os roubo impunemente, deixando-os à pobreza e ao frio, mundano gatuno. Normalmente, é por esta altura que solto uma gotinha, coração mole que sou. Depois caio em mim, dou um salto na cadeira e revolto-me.

Afinal de contas, sempre que os vejo no cubo mágico me parecem felizes. Felizes e ricos. Bem mais ricos que eu. Ricos o suficiente para não aparentarem a mínima afectação pelos furtos a que os submeto. Ora, isto faz-me reflectir sobre a coisa e achar um ideal social escondido nesta ladroagem. No fundo, ao premir o botão, mais não estou a fazer do que a combater o fosso social que fende a nossa sociedade. Não ao bom jeito do comu…comun, porque não tenho mais comida na mesa ao fim do dia por causa disso, mas mais com a intenção de não alimentar até proporções estupidificantes a riqueza desta cambada, através da depauperação do meu extracto bancário. Deste modo aproximo-os da realidade e do resto da população mundial, ao mesmo tempo que me proporciono uma fonte de conforto – conforto esse a que posso ficar viciado, podendo mais tarde recompensá-los pelo mérito, caso sejam realmente bons, através da aquisição de material original e/ou ingressos para actuações ao vivo. “E se forem humildes artistas em início de carreira?” perguntam vocês. Bom, nesse caso faço questão de os divulgar aos meus mais chegados, os quais, se os acharem dignos, poderão igualmente recompensá-los pelo mérito, com todas as vantagens que já vimos daí poderem advir. A base deste ideal é sempre, portanto, uma meritocracia exigente e não a doutrina dos vermelhinhos. Ouro sobre azul.

Penso sempre duas vezes antes de premir o botão. E hesito sempre perante a pergunta que o computador ingenuamente me faz. E sempre acabo por carregar. Sim! Quero mesmo violar os direitos de autor relativos a esta banda.

*(Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF

These Monkeys Haven’t Gone to Heaven*

"Well, sit right down, my wicked son, and let me tell you a story"

O intercâmbio universitário em Porto Rico já ia longo quando Charles Michael Kitridge Thompson IV decide, entre ir passar um ano à Nova Zelândia para assistir ao espectáculo do cometa Halley ou formar uma banda em Boston, surpreender tudo e todos e apanhar o primeiro avião de volta para os States. Tudo por um bem superior. As histórias fétidas das Caraíbas e do seu colega de quarto “estranho, psycho e gay” teriam com certeza o seu tempo de serem imortalizadas. Por agora, Joey Santiago, amigo dos tempos da Universidade de Masssachussets, estava à sua espera em Boston. Era tempo de pôr em prática o conselho que recebera anos antes de uma estrela thai do rock, por curiosidade primo do gerente da florista onde trabalhava, a propósito de uma cover da “Oh Darling” dos Beatles – “Grita como se odiasses a cabra!”

O reencontro com Joey deu origem à banda e a banda deu origem a vários minutos de busca intensa pelo dicionário, que culminaram na palavra “Pixies”, ou de acordo com a engraçada definição de que gozavam, “pequenos elfos maléficos”. Estavam criados os Pixies.

Agora era apenas uma questão de arranjar quem estivesse disposto a entrar nesta visão distorcida de fazer música. E não foi preciso muito até que Kim Deal, de Dayton, Ohio, respondesse ao inusitado anúncio de jornal por um baixista que gostasse ao mesmo tempo dos ícones folk Peter, Paul & Mary e dos punkers hardcore Hüsker Dü. Resposta dois em um. Não só arranjaram uma baixista, como Kim Deal ainda trouxe David Lovering – convidado do seu casamento e baterista disponível. Os planetas conjugavam-se por fim para o início do projecto que viria a abrir uma brecha no praticamente inexistente panorama do rock alternativo.

Verão de 1986. Nasciam os primeiros acordes a partir da garagem do pai de David quando a primeira oportunidade de actuação surgiu. O Rat Club de Boston abria-lhes as portas... para o que viria a ser descrito como “possivelmente o pior concerto da história do rock”. Outras actuações manhosas e noites em “hotéis infestados com baratas em sítios desconhecidos como Kansas” se seguiram, até que um golpe de sorte lhes concedeu uma abertura de concerto dos conterrâneos Throwing Muses, no Rathskeller. A oportunidade perfeita. E perfeita foi, despertando a atenção de diversos agentes, de entre os quais se destacou Gary Smith, produtor e agente dos estúdios de Boston Fort Apache. “Não vou conseguir dormir enquanto vocês não forem conhecidos a nível mundial”, revelaria mais tarde como tendo sido o seu pequeno pensamento do dia.

Aproveitando a onda, a banda de Charles Thompson, agora auto-intitulado Black Francis, edita dois álbuns nos dois anos seguintes – “Come on Pilgrim” e “Surfer Rosa” – e apanha a boleia do sucesso do último, considerado Álbum do Ano pelas revistas Melody Maker e Sounds, até ao Reino Unido, onde actuaria como banda de suporte dos Throwing Muses. Nas palavras de um crítico inglês – “A melhor actuação conjunta desde que os romanos decidiram meter cristãos e leões na mesma arena”. Em inícios de 1989 sai o terceiro trabalho – “Doolitle”. Provisoriamente intitulado “Whore”, “Doolitle” tinha um feeling mais leve e menos surreal que os anteriores discos, rodando à volta de questões mais terrestres como o balanço entre a natureza e o desejo de progresso do Homem, do qual a faixa “Monkey Gone To Heaven” é o exemplo extremo.

Os concertos espalhavam-se pelo globo, nesta altura, de uma forma absolutamente alucinante. O calendário de actuações era cada vez mais apertado, cada vez mais humanamente impossível. Três álbuns nos últimos dois anos. A insustentabilidade da situação tornou-se evidente quando um concerto em Boston revelou uma Kim Deal completamente embriagada e um Joey Santiago a partir os instrumentos todos antes de sair disparado do palco. Aquela era a altura para umas férias - Joey foi para o Grand Canyon para “se encontrar”, David voou para a Jamaica para conhecer as propriedades medicinais da maconha e Charles, avesso a aviões, comprou um Cadillac amarelo para cruzar a América com a namorada, tocando pelo caminho em bares “play to pay”, por forma a arranjar dinheiro para a mobília do seu novo cubículo em LA. Quanto a Kim, juntou-se à guitarrista dos Throwing Muses (Tanya Donelly), à baixista dos Perfect Disaster (Josephine Wiggs) e ao baterista dos Slint (Britt Walford) e juntos formaram os “The Breeders”. O fim dos Pixies parecia certo.

O futuro, no entanto, deu as suas voltas e não foi preciso muito tempo para que os trabalhadores do LA’s Master Control Studio pudessem testemunhar o regresso do conjunto. Um quarto álbum da banda já estava em processo de gravação – “Bossanova”. Dominado pela ficção científica e pelo surf, dele saiu “Velouria”, single que viria a aguentar-se algum tempo no quarto lugar do top norte-americano. Novo álbum, nova digressão pela Europa. Nova digressão, nova necessidade de férias, após as quais surgiu o mal-agraciado pela crítica, embora adorado pelo público, “Trompe Le Monde”. Estávamos agora em 1991. E parecendo contradizer o sucesso que a digressão de “Trompe Le Monde” tinha acabado de ter, os Pixies entram de novo de férias. Tantas vezes tinha Pedro afirmado a visão do lobo, que já ninguém acreditava no que umas férias no show-biz normalmente significavam. Foi com espanto, portanto, que os atentos à BBC ouviram, em Janeiro de 1993, a resposta de Black Francis a propósito de uma questão sobre a suposta separação dos Pixies – “Sim… Numa palavra, sim”.

Esta implosão acontecia na mesma altura em que uma mão cheia de bandas do lado alternativo do rock – sendo os “Nirvana” a mais conhecida – encontrava agora uma vasta audiência para a sua música fortemente influenciada pelo grupo de Boston. Kurt Cobain viria mesmo a dizer numa entrevista, algum tempo mais tarde, que “Smells Like Teen Spirit” mais não era do que a sua tentativa falhada de escrever uma música de Pixies.

Um dia passou, outros dias passaram. O conjunto de Black Francis, o qual mudara outra vez de rótulo para Frank Black, era agora apenas um motivo de nostalgia.

Porém, o inesperado aconteceu no Verão de 2004. Mais de dez anos depois da última aparição, a banda de Boston preparava uma nova digressão mundial. E Portugal estava incluído na lista! Superbock Superrock 2004. Resultado: aquele sucesso. Diz quem os vira há dez anos, que estavam lá. No sítio em que ficaram, como se décadas fossem coisas menores, como se cabelos brancos fossem amendoins. Paragem seguinte: Paredes de Coura 2005.

Quanto a mim, já me proporcionara horas suficientes de auto-flagelação pela ausência. Este ano, no entanto, dei descanso ao cilício: Pavilhão Atlântico 2006. Finalmente, a oportunidade para assistir a uma coisa a sério, com tempo, sem as restrições a que um festival obriga. E ouvir a “River Euphrates” naquele ambiente cozy (chiça!) foi das melhores coisinhas que me podiam ter acontecido. Fosse eu um homem rico e em vez de comer 30 pães e usar um kikuto rasgado no cu Janelo style, distribuía best of's destes cotas pela mocidade.


* (Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF