terça-feira, junho 26, 2007

Enquanto não há amanhã, ilumina-me

- Ouve, gosto de ti.
Tentaste definir-lhe o como e o quanto a adoravas, mas ainda não tinham inventado a música que vos explicava. O teu bolso a vibrar salvou-te das palavras que não chegarias a dizer. Querias atender o telefone - tinhas de o fazer, estavas à espera daquela chamada há horas, há meses, há anos. Desde o dia inesquecível, de que já te esqueceste, em que decidiste o que positivamente não serias daí a uns anos (agora) querias ouvir aquelas palavras que te esperavam do outro lado linha.
Ela, à tua frente, à tua espera, à espera que decidisses uma porra na vida,
- Atende a merda do telefone!
estava mais bonita do que nunca - o cabelo dançava-lhe estupidamente à frente dos olhos e colava-se-lhe nos lábios húmidos; o peito suspirava de vergonha, inchava de desejo - mas tinhas de atender o telefone. Recuaste com passos tímidos, pedindo-lhe - suplicando-lhe com um olhar dorido - que esperasse ali por ti.
- Estou? - gaguejaste, com o coração a mil à hora.
A voz do outro lado da linha, do outro lado do mundo, era mais ácida do que a voz que toda a vida imaginaras.
- De que serve voltar - soluçou, do lado de lá - quando se volta para o nada?
Olhaste para trás, alarmado - encontraste-a sentada, fazendo uma trança, cruzando no chinelo os dedos dos pés - e suspiraste de alívio. Sentiste no pescoço
- Sentiste?
sussurrarem-te o cheiro da tua camisola castanha de que tanto gostavas.
- Já cheira mais a ti do que a mim, miúda - costumavas dizer-lhe, apoiado nela, envolvendo-a com os braços, atrapalhando-lhe o jantar.
- Leva-me contigo.
Voltaste-te, surpreendido, desligando o telefone. Uma luz de guitarras vinda de onde ela se costumava sentar obrigou-te a fechar os olhos - e adormeceste.

Quando acordaste, estavas longe demais. Lá ao fundo, lá muito ao fundo, observaste-a coçar o nariz com a palma da mão, divertida.
Apertaste com mais força o nó cego que escondias há anos na garganta. Sem piano nem plateia, sem sopros nem cordas, sem um coro de pretos com palmas rechonchudas a seguir-te para todo o lado, fartaste-te de inventar a vida à tua volta - e decidiste viver.
- Por enquanto é preciso viver.
Infelizmente, simplesmente viver. JB

terça-feira, junho 12, 2007

E que tal uma battle?

"Estudos comparativos da Ota com Alcochete satisfazem autarcas da margem sul "

Esta história toda da Ota e das outras localizações faz-me lembrar o mágico mundo do Wrestling. Lá, há sempre um gajo numa tanga garrida que tem um daqueles cintos reluzentes de campeão e se gaba constantemente que é o melhor. E depois há um conjunto de armários em maiots igualmente coloridos que passam a vida a desafiar o campeão para um combate pelo título, vilipendiando a sua virilidade a cada hesitação.
Todo este dramatismo é muito giro, mas serve mais o propósito de entreter aquela parte do meu cérebro que se sacia com telenovelas do que para ficar realmente a saber quem é o mais forte. Até porque ja sabemos perfeitamente quem é que vai ganhar. BF

quarta-feira, junho 06, 2007

Hoje sonhei que...

...via um repórter da Sic Notícias a levar em directo com uma caganita de pombo no meio da testa.

O que eu adoro a excelência de conteúdos deste canal. BF

domingo, junho 03, 2007

O advogado José B. que queria cantar como o Jeff Buckley

- És um quase-quase, José B..
Parou para pensar na gravidade do que lhe tinha dito quando viu apagarem-se à sua frente os seus enormes olhos pestanudos. Reformulou que não era aquilo que queria ter dito, não daquela maneira - que não era necessariamente horrível ser-se quase-quase e que ele próprio, naquela idade, já tinha sido um.
- Deus deu-nos uma coisa tremenda, José B. - disse, chupando cavernosamente o cigarro que acendera - E essa coisa tremenda é a ambição.
José B., abalado, assentiu. Depois de uma adolescência dedicada inteiramente a destruir a sua Fé, tinha talvez agora arranjado um motivo forte para voltar a acreditar n'Ele: culpá-Lo pela sua pequenez. Achava aquela ideia, porém, demasiado incompleta. Pensava que Deus lhes tinha dado, não uma, mas duas coisas tremendas, tremendamente incompatíveis, só para lhes maçar o juízo. E essas duas coisas tremendas eram a ambição e uma vida pequena demais. Mas o outro continuava:
- Pensa comigo, José B., é bom ser um quase-quase... - e explicava-lhe que não era toda a gente que podia dizer que estava a acabar o terceiro ano do curso (José B. observava que com más notas), estudava música (José B. não considerava o que fazia um estudo), escrevia numa revista (José B. não lhe explicara ainda porque tinha deixado de escrever), jogava futebol e ainda tinha tempo para ter uma namorada. José B. não o corrigiu porque jogava mesmo futebol e gostava da ideia de ter uma namorada. Ela, a namorada, escusava de saber que o era.
- Adeus, José B., o quase-quase!
- Adeus, e ainda bem que sou um quase-quase! - suspirou por fim, das escadas, despedindo-se pela décima vez, ouvindo a "Whole Lotta Love" desaparecer com o trinco da porta. Percebeu, numa breve epifania, que o que ele queria mesmo era fazer uma peça de teatro sobre peças de fruta: escrevê-la e cantá-la e conseguir chorar em palco sem ter de olhar para os holofotes - e namorar para sempre uma menina gira, qualquer que ela fosse, muito loira e com olhos muito verdes, que roesse maçãs amargas a toda a hora e que não lhe desse demasiados cabelos brancos.
José B. não apanhou o autocarro e foi a pé, porque ouvira dizer que a guitarra às costas e os chinelos calçados lhe davam imensa pinta. E porque fazia de tudo para perder tempo e não estudar.

Lisboa andava florida de jacarandás naquele mês quente de Junho - e as miúdas, de braços salgados e areia nas sobrancelhas, perdiam o medo de andar à boleia no eléctrico.

José B. crescera e quase nada tinha mudado. O outro era amigo da família e vinha passar as tardes de sábado no jardim de casa dos seus pais. No escritório onde trabalhava tinha quase mais clientes do que os seus colegas, o que lhe chegava para arrendar um apartamento simpático com quase tantas assoalhadas como o do vizinho. Tinha quase os mesmos amigos que sempre tivera e que, como ele, quase se tinham esquecido das viagens que tinham feito. Ainda bebiam cerveja.
E Deus (em Quem, porque a sua mulher irresistivelmente lhe pedinchara, voltara a acreditar) dava-lhe ainda duas coisas tremendas. E essas duas coisas tremendas, tremendamente incompatíveis, eram o seu filho e uma guitarra eléctrica. JB

Prémio "Segundo melhor nome para uma pastelaria depois de Sandro 2000"

Telmo 2007. JB

sábado, junho 02, 2007

"O Zé faz falta"

Adoro o último cartaz publicitário do BES. BF