quinta-feira, janeiro 04, 2007

O Download Idealista*

Penso sempre duas vezes antes de premir o botão. Penso ao ritmo trémulo dos dedos que gotejam, atormentados com a propaganda intimidatória que de súbito descobri. Desde que me senti ameaçado que olho para este pedaço de plástico de maneira diferente. Este botão, amigos, não é um botão qualquer. Gosto de pensar nele como um botão-mealheiro, um botão-amigo. E a verdade é que me tem possibilitado experiências verdadeiramente maravilhosas. Diga-se mesmo, em jeito de nota, que já me proporcionou umas férias estupendas, de tão wallet-friend que é. Mas este botão é também, inevitavelmente, um botão em perigo. Sucessivas ameaças e ataques sobre o uso indiscriminado e imoral da tecla têm-me feito reflectir duramente sobre a minha legitimidade para o fazer. Dizem-me que estou a tirar o pão da mesa a malta que, deste modo, mal tem para comer. Que os roubo impunemente, deixando-os à pobreza e ao frio, mundano gatuno. Normalmente, é por esta altura que solto uma gotinha, coração mole que sou. Depois caio em mim, dou um salto na cadeira e revolto-me.

Afinal de contas, sempre que os vejo no cubo mágico me parecem felizes. Felizes e ricos. Bem mais ricos que eu. Ricos o suficiente para não aparentarem a mínima afectação pelos furtos a que os submeto. Ora, isto faz-me reflectir sobre a coisa e achar um ideal social escondido nesta ladroagem. No fundo, ao premir o botão, mais não estou a fazer do que a combater o fosso social que fende a nossa sociedade. Não ao bom jeito do comu…comun, porque não tenho mais comida na mesa ao fim do dia por causa disso, mas mais com a intenção de não alimentar até proporções estupidificantes a riqueza desta cambada, através da depauperação do meu extracto bancário. Deste modo aproximo-os da realidade e do resto da população mundial, ao mesmo tempo que me proporciono uma fonte de conforto – conforto esse a que posso ficar viciado, podendo mais tarde recompensá-los pelo mérito, caso sejam realmente bons, através da aquisição de material original e/ou ingressos para actuações ao vivo. “E se forem humildes artistas em início de carreira?” perguntam vocês. Bom, nesse caso faço questão de os divulgar aos meus mais chegados, os quais, se os acharem dignos, poderão igualmente recompensá-los pelo mérito, com todas as vantagens que já vimos daí poderem advir. A base deste ideal é sempre, portanto, uma meritocracia exigente e não a doutrina dos vermelhinhos. Ouro sobre azul.

Penso sempre duas vezes antes de premir o botão. E hesito sempre perante a pergunta que o computador ingenuamente me faz. E sempre acabo por carregar. Sim! Quero mesmo violar os direitos de autor relativos a esta banda.

*(Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF