quinta-feira, janeiro 04, 2007

These Monkeys Haven’t Gone to Heaven*

"Well, sit right down, my wicked son, and let me tell you a story"

O intercâmbio universitário em Porto Rico já ia longo quando Charles Michael Kitridge Thompson IV decide, entre ir passar um ano à Nova Zelândia para assistir ao espectáculo do cometa Halley ou formar uma banda em Boston, surpreender tudo e todos e apanhar o primeiro avião de volta para os States. Tudo por um bem superior. As histórias fétidas das Caraíbas e do seu colega de quarto “estranho, psycho e gay” teriam com certeza o seu tempo de serem imortalizadas. Por agora, Joey Santiago, amigo dos tempos da Universidade de Masssachussets, estava à sua espera em Boston. Era tempo de pôr em prática o conselho que recebera anos antes de uma estrela thai do rock, por curiosidade primo do gerente da florista onde trabalhava, a propósito de uma cover da “Oh Darling” dos Beatles – “Grita como se odiasses a cabra!”

O reencontro com Joey deu origem à banda e a banda deu origem a vários minutos de busca intensa pelo dicionário, que culminaram na palavra “Pixies”, ou de acordo com a engraçada definição de que gozavam, “pequenos elfos maléficos”. Estavam criados os Pixies.

Agora era apenas uma questão de arranjar quem estivesse disposto a entrar nesta visão distorcida de fazer música. E não foi preciso muito até que Kim Deal, de Dayton, Ohio, respondesse ao inusitado anúncio de jornal por um baixista que gostasse ao mesmo tempo dos ícones folk Peter, Paul & Mary e dos punkers hardcore Hüsker Dü. Resposta dois em um. Não só arranjaram uma baixista, como Kim Deal ainda trouxe David Lovering – convidado do seu casamento e baterista disponível. Os planetas conjugavam-se por fim para o início do projecto que viria a abrir uma brecha no praticamente inexistente panorama do rock alternativo.

Verão de 1986. Nasciam os primeiros acordes a partir da garagem do pai de David quando a primeira oportunidade de actuação surgiu. O Rat Club de Boston abria-lhes as portas... para o que viria a ser descrito como “possivelmente o pior concerto da história do rock”. Outras actuações manhosas e noites em “hotéis infestados com baratas em sítios desconhecidos como Kansas” se seguiram, até que um golpe de sorte lhes concedeu uma abertura de concerto dos conterrâneos Throwing Muses, no Rathskeller. A oportunidade perfeita. E perfeita foi, despertando a atenção de diversos agentes, de entre os quais se destacou Gary Smith, produtor e agente dos estúdios de Boston Fort Apache. “Não vou conseguir dormir enquanto vocês não forem conhecidos a nível mundial”, revelaria mais tarde como tendo sido o seu pequeno pensamento do dia.

Aproveitando a onda, a banda de Charles Thompson, agora auto-intitulado Black Francis, edita dois álbuns nos dois anos seguintes – “Come on Pilgrim” e “Surfer Rosa” – e apanha a boleia do sucesso do último, considerado Álbum do Ano pelas revistas Melody Maker e Sounds, até ao Reino Unido, onde actuaria como banda de suporte dos Throwing Muses. Nas palavras de um crítico inglês – “A melhor actuação conjunta desde que os romanos decidiram meter cristãos e leões na mesma arena”. Em inícios de 1989 sai o terceiro trabalho – “Doolitle”. Provisoriamente intitulado “Whore”, “Doolitle” tinha um feeling mais leve e menos surreal que os anteriores discos, rodando à volta de questões mais terrestres como o balanço entre a natureza e o desejo de progresso do Homem, do qual a faixa “Monkey Gone To Heaven” é o exemplo extremo.

Os concertos espalhavam-se pelo globo, nesta altura, de uma forma absolutamente alucinante. O calendário de actuações era cada vez mais apertado, cada vez mais humanamente impossível. Três álbuns nos últimos dois anos. A insustentabilidade da situação tornou-se evidente quando um concerto em Boston revelou uma Kim Deal completamente embriagada e um Joey Santiago a partir os instrumentos todos antes de sair disparado do palco. Aquela era a altura para umas férias - Joey foi para o Grand Canyon para “se encontrar”, David voou para a Jamaica para conhecer as propriedades medicinais da maconha e Charles, avesso a aviões, comprou um Cadillac amarelo para cruzar a América com a namorada, tocando pelo caminho em bares “play to pay”, por forma a arranjar dinheiro para a mobília do seu novo cubículo em LA. Quanto a Kim, juntou-se à guitarrista dos Throwing Muses (Tanya Donelly), à baixista dos Perfect Disaster (Josephine Wiggs) e ao baterista dos Slint (Britt Walford) e juntos formaram os “The Breeders”. O fim dos Pixies parecia certo.

O futuro, no entanto, deu as suas voltas e não foi preciso muito tempo para que os trabalhadores do LA’s Master Control Studio pudessem testemunhar o regresso do conjunto. Um quarto álbum da banda já estava em processo de gravação – “Bossanova”. Dominado pela ficção científica e pelo surf, dele saiu “Velouria”, single que viria a aguentar-se algum tempo no quarto lugar do top norte-americano. Novo álbum, nova digressão pela Europa. Nova digressão, nova necessidade de férias, após as quais surgiu o mal-agraciado pela crítica, embora adorado pelo público, “Trompe Le Monde”. Estávamos agora em 1991. E parecendo contradizer o sucesso que a digressão de “Trompe Le Monde” tinha acabado de ter, os Pixies entram de novo de férias. Tantas vezes tinha Pedro afirmado a visão do lobo, que já ninguém acreditava no que umas férias no show-biz normalmente significavam. Foi com espanto, portanto, que os atentos à BBC ouviram, em Janeiro de 1993, a resposta de Black Francis a propósito de uma questão sobre a suposta separação dos Pixies – “Sim… Numa palavra, sim”.

Esta implosão acontecia na mesma altura em que uma mão cheia de bandas do lado alternativo do rock – sendo os “Nirvana” a mais conhecida – encontrava agora uma vasta audiência para a sua música fortemente influenciada pelo grupo de Boston. Kurt Cobain viria mesmo a dizer numa entrevista, algum tempo mais tarde, que “Smells Like Teen Spirit” mais não era do que a sua tentativa falhada de escrever uma música de Pixies.

Um dia passou, outros dias passaram. O conjunto de Black Francis, o qual mudara outra vez de rótulo para Frank Black, era agora apenas um motivo de nostalgia.

Porém, o inesperado aconteceu no Verão de 2004. Mais de dez anos depois da última aparição, a banda de Boston preparava uma nova digressão mundial. E Portugal estava incluído na lista! Superbock Superrock 2004. Resultado: aquele sucesso. Diz quem os vira há dez anos, que estavam lá. No sítio em que ficaram, como se décadas fossem coisas menores, como se cabelos brancos fossem amendoins. Paragem seguinte: Paredes de Coura 2005.

Quanto a mim, já me proporcionara horas suficientes de auto-flagelação pela ausência. Este ano, no entanto, dei descanso ao cilício: Pavilhão Atlântico 2006. Finalmente, a oportunidade para assistir a uma coisa a sério, com tempo, sem as restrições a que um festival obriga. E ouvir a “River Euphrates” naquele ambiente cozy (chiça!) foi das melhores coisinhas que me podiam ter acontecido. Fosse eu um homem rico e em vez de comer 30 pães e usar um kikuto rasgado no cu Janelo style, distribuía best of's destes cotas pela mocidade.


* (Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF