quinta-feira, janeiro 04, 2007

Inócuo (porque o vácuo é primo da vaca)*

Abro os olhos precisamente uma hora depois de os ter fechado. Não sou gajo para adormecer à frente da televisão - imaginava-me esse tipo de sujeito apenas daqui a umas décadas, quando já não precisar de me cultivar, homem sagaz e instruído que serei, mas a cena é que ainda estou numa fase de formação intelectual. E perder uma hora do “Clube Morangos” é capaz de não ser dos moves mais didácticos, tendo em conta a pessoa que eu quero ser. Fico desiludido comigo quando não tenho a disciplina suficiente para fazer o melhor para o meu futuro. Eu sei que consigo enfardar mais cereais à frente da televisão a ver o “Dança Comigo”. Eu sei que tenho capacidade para fazer mais e melhor. Tomo por isso a decisão de compensar à noite. A programação da televisão generalista tem esse lado solidário, dá-nos sempre uma segunda oportunidade de enriquecimento intelectual. E uma terceira. E por vezes uma quarta. Até conseguirmos comer quase tão bem de boca aberta como Pedro, o Milionário. Alguém que se preocupe minimamente com o seu futuro sabe do que falo. Mas não era sobre isto que vos queria falar.

Vinha falar-vos, isso sim, do Processo de Bolonha e das suas implicações no crescimento da população de moscas-da-fruta equatorianas. Não, estou a brincar. Apanhei-vos, ein? Já estavam quase a virar a página e a pensar “Que chatice! Outra vez a falarem sobre as moscas-da-fruta equatorianas”, quando de repente vos surpreendi, não foi? Ai, isto foi muita giro.

Bom... eu vinha mesmo falar-vos daquilo com que comecei o texto: a vasta oferta de entretenimento de qualidade na televisão portuguesa. Considero que é um bom tema. A minha mãe também considera. Aliás, eu perguntei-lhe: “Mãe, consideras este tema um bom tema?” e ela disse “Considero”. E a verdade é que fui eu que o escolhi. Poderia parecer a uma primeira vista que eu não tenho grande coisa para partilhar convosco sobre esta matéria e que me perco em rodeios evasivos completamente inúteis, mas, reparem, nada mais precipitado. Tomem o exemplo das miragens. Um indivíduo parece que vê qualquer coisa e depois, pimba, não era aquilo que parecia que via. Estão a ver onde quero chegar? E se o sítio onde quero chegar mais não seja que a tal miragem? E eu mais não esteja do que a encobrir a falta de conhecimento que devia possuir para escrever este artigo? Nesse caso, a perspectiva real seria a de que de facto sou uma má escolha para escrever sobre novelas recicladas e versões teenager do Big Show Sic. Mas e se o aparente vazio de substância que vos ofereço não passe de uma maneira de veicular a ideia de vacuidade do próprio objecto sobre o qual me propus escrever?

* (Texto publicado na revista "Iuris Grafia", ed. Outubro, Novembro, Dezembro '06) BF

1 Comments:

Blogger rita said...

Isto vem a propósito do elogio do Dr. António Portugal? ;)

*

05 janeiro, 2007 11:25

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