Há um ano atrás tocaste-me à porta. Estava sozinho em casa, sentado no sofá, comendo com premeditado vagar uma pizza que tinha encomendado há minutos atrás. Levantei-me, pousei o prato no chão, espreitei pela janela e não vi ninguém.
- Sou eu, puto.
Já tinhas subido, não me deste tempo sequer de ajeitar o cabelo desalinhado e arrumar a cozinha. Abri a porta. De ombro na ombreira, cruzavas os braços e lançavas-me aquele olhar de quem precisava urgentemente de uma opinião masculina. Estavas gira. Balbuciei umas quantas palavras desconexas numa língua arcaica que eu próprio desconhecia e deixei-te entrar. Desse fim de tarde lembro-me das tuas calças verdes que enrolavas na cintura para que não te caíssem, dos chinelos que trazias nos pés e do cheiro a dunas e a creme
nivea. Cheguei a achar que tudo aquilo era de propósito para mim. Percebi, no entanto, que aquela era antes a tua maneira de dizer a toda a gente que eras gira e que tinhas vindo agora da praia e que estavas morena e cheia de sardas e com os cabelos ainda salgados. E que era naquela noite que ias beber a tua primeira imperial.
Sentei-me. Notei que olhavas deliciada para o tabuleiro no meu colo. A pizza era individual e eu morria de fome, mas devoraste-me duas fatias como se de uma média se tratasse. Por um momento desejei ser aquela margarita de massa alta e fofa. Tocaram de novo à porta. Precipitaste-te para a janela e debruçaste-te lá para baixo, como se três andares fossem para ti um rés-do-chão.
Devem ser elas... Empurraste o resto da fatia para dentro da boca e roubaste-me o fundinho da coca-cola.
- Miúda, larga lá o rapaz e anda embora! - gritavam de lá de baixo.
Não me lembro ao certo do que aconteceu a seguir, deves ter agradecido a merenda de boca cheia, piscado o olho, tropeçado no tapete e desaparecido pela porta.
Adoro esta miúda... Se fosse eu o argumentista da minha vida, aquele dia teria acabado com um beijinho de sabor a chourição, ananás e extra-queijo.
JB