Enquanto não há amanhã, ilumina-me
- Ouve, gosto de ti.
Tentaste definir-lhe o como e o quanto a adoravas, mas ainda não tinham inventado a música que vos explicava. O teu bolso a vibrar salvou-te das palavras que não chegarias a dizer. Querias atender o telefone - tinhas de o fazer, estavas à espera daquela chamada há horas, há meses, há anos. Desde o dia inesquecível, de que já te esqueceste, em que decidiste o que positivamente não serias daí a uns anos (agora) querias ouvir aquelas palavras que te esperavam do outro lado linha.
Ela, à tua frente, à tua espera, à espera que decidisses uma porra na vida,
- Atende a merda do telefone!
estava mais bonita do que nunca - o cabelo dançava-lhe estupidamente à frente dos olhos e colava-se-lhe nos lábios húmidos; o peito suspirava de vergonha, inchava de desejo - mas tinhas de atender o telefone. Recuaste com passos tímidos, pedindo-lhe - suplicando-lhe com um olhar dorido - que esperasse ali por ti.
- Estou? - gaguejaste, com o coração a mil à hora.
A voz do outro lado da linha, do outro lado do mundo, era mais ácida do que a voz que toda a vida imaginaras.
- De que serve voltar - soluçou, do lado de lá - quando se volta para o nada?
Olhaste para trás, alarmado - encontraste-a sentada, fazendo uma trança, cruzando no chinelo os dedos dos pés - e suspiraste de alívio. Sentiste no pescoço
- Sentiste?
sussurrarem-te o cheiro da tua camisola castanha de que tanto gostavas.
- Já cheira mais a ti do que a mim, miúda - costumavas dizer-lhe, apoiado nela, envolvendo-a com os braços, atrapalhando-lhe o jantar.
- Leva-me contigo.
Voltaste-te, surpreendido, desligando o telefone. Uma luz de guitarras vinda de onde ela se costumava sentar obrigou-te a fechar os olhos - e adormeceste.
Quando acordaste, estavas longe demais. Lá ao fundo, lá muito ao fundo, observaste-a coçar o nariz com a palma da mão, divertida.
Apertaste com mais força o nó cego que escondias há anos na garganta. Sem piano nem plateia, sem sopros nem cordas, sem um coro de pretos com palmas rechonchudas a seguir-te para todo o lado, fartaste-te de inventar a vida à tua volta - e decidiste viver.
- Por enquanto é preciso viver.
Infelizmente, simplesmente viver. JB
Tentaste definir-lhe o como e o quanto a adoravas, mas ainda não tinham inventado a música que vos explicava. O teu bolso a vibrar salvou-te das palavras que não chegarias a dizer. Querias atender o telefone - tinhas de o fazer, estavas à espera daquela chamada há horas, há meses, há anos. Desde o dia inesquecível, de que já te esqueceste, em que decidiste o que positivamente não serias daí a uns anos (agora) querias ouvir aquelas palavras que te esperavam do outro lado linha.
Ela, à tua frente, à tua espera, à espera que decidisses uma porra na vida,
- Atende a merda do telefone!
estava mais bonita do que nunca - o cabelo dançava-lhe estupidamente à frente dos olhos e colava-se-lhe nos lábios húmidos; o peito suspirava de vergonha, inchava de desejo - mas tinhas de atender o telefone. Recuaste com passos tímidos, pedindo-lhe - suplicando-lhe com um olhar dorido - que esperasse ali por ti.
- Estou? - gaguejaste, com o coração a mil à hora.
A voz do outro lado da linha, do outro lado do mundo, era mais ácida do que a voz que toda a vida imaginaras.
- De que serve voltar - soluçou, do lado de lá - quando se volta para o nada?
Olhaste para trás, alarmado - encontraste-a sentada, fazendo uma trança, cruzando no chinelo os dedos dos pés - e suspiraste de alívio. Sentiste no pescoço
- Sentiste?
sussurrarem-te o cheiro da tua camisola castanha de que tanto gostavas.
- Já cheira mais a ti do que a mim, miúda - costumavas dizer-lhe, apoiado nela, envolvendo-a com os braços, atrapalhando-lhe o jantar.
- Leva-me contigo.
Voltaste-te, surpreendido, desligando o telefone. Uma luz de guitarras vinda de onde ela se costumava sentar obrigou-te a fechar os olhos - e adormeceste.
Quando acordaste, estavas longe demais. Lá ao fundo, lá muito ao fundo, observaste-a coçar o nariz com a palma da mão, divertida.
Apertaste com mais força o nó cego que escondias há anos na garganta. Sem piano nem plateia, sem sopros nem cordas, sem um coro de pretos com palmas rechonchudas a seguir-te para todo o lado, fartaste-te de inventar a vida à tua volta - e decidiste viver.
- Por enquanto é preciso viver.
Infelizmente, simplesmente viver. JB