terça-feira, abril 19, 2005

A vida nas novelas

A vida é simples nas novelas.

Lá, nas novelas, faz sempre sol. Nas novelas as aulas acabam sempre de manhã e há sempre uma luz quente a espreitar pelas palmeiras do liceu, a convidar alunos e professores para um mergulho na piscina. Há sempre tempo para a diversão, é sempre tempo de festejar.

Nas novelas não se estuda, queixa-se de que se tem de estudar. Os professores são pouco mais velhos que os alunos e as aulas duram geralmente 2 minutos.

Nas novelas cada um sabe o seu papel. Há os principais, à volta dos quais tudo gira, e os secundários.
Os secundários não se metem na vida dos principais, porque sabem que são secundários, e os principais são seus amigos por isso. Apesar de atraentes, serão sempre secundários. (Eu gostava de ser um secundário – a vida do secundário é mais simples e tosca. Se fosse secundário viveria de pequenos momentos, tornava-os grandes e seria feliz!)
Os principais, esses, são menos lineares.
A rapariga principal é gira, mas não o percebe. No seu jeito desengonçado, está sempre perfeita e tem sempre um sorriso nos lábios. Está sempre lá, onde quer que sejá “lá”, pronta para ouvir as histórias da melhor amiga (melhor amiga porque é secundária e sabe que é secundária), apesar da vida que a espera em casa. A sua família é pobre, mas nunca lhe falta sumo de laranja ao pequeno almoço. A casa tem cores alegres e fotografias felizes e o sol entra sempre pela janela.
O rapaz principal é giro – e sabe-o. Confiante e sorridente, passa por todos, vê-os a todos, mas finge não ver ninguém, porque sabe que fica mais giro assim. Olha para todos e não vê ninguém. Tem pais ricos com trabalhos importantes e vidas atarefadas (tão atarefadas que nem tempo têm de tomar o pequeno almoço com a família). Apoiam-no em tudo e nunca estão em casa – e no entanto não percebem em que é que erraram.

Nas novelas há os bons e há os maus. Os bons ganham e os maus perdem. Uns maus tornam-se bons – porque aprenderam que não compensa ser mau. Outros não – e emigram.

Nas novelas as histórias de amor são previsíveis, logo, perfeitas. O rapaz, apaixonado pela rapariga, convida-a para um sorvete à noite. Ela fala e ele ouve-a, porque a adora; ele fala e ela ri-se, porque ele tem piada. Atrapalham-se a falar, dizem coisas espontâneas ao mesmo tempo e descobrem que têm tudo em comum. Se começar uma tempestade tropical, é fácil, há sempre um abrigo – vá, o carro do rapaz, ali ao lado. Encharcados e a tremer de frio, tiram a roupa e beijam-se até os vidros do carro embaciarem.
Se o rapaz tiver uma banda tem o trabalho facilitado. No concerto, canta a música dela, para ela, olhando para ela, e ela apaixona-se.

A vida é perfeita nas novelas!
Mas uma vida perfeita como a vida nas novelas era uma perfeita merda de vida. JB