sexta-feira, outubro 14, 2005

Aqui fala-se de férias (ou Memórias de um inter-rail)

O texto que a seguir se segue deve ser encarado como uma aspiração minha a Jennifer Convy, encantadora apresentadora do meu programa preferido de sempre, Intimate Escapes. Se não costuma ver o People&Arts, pela sua saúde, pare aqui.

Começo no sul de França. Biarritz é um Estoril em ponto grande. As mesmas casinhas e casarões, os mesmos hotéis apinhados de turistas, as mesmas palmeiras a simular a vida nos trópicos, o mesmo casino e a mesma praia, mas com ondas. As cocotes, essas, há-as em maior número e falam todas francês. Bayonne, a terra dos Berhans, é como eu: bonitinha, lavadinha e com uma massa corporal extraordinária. Nice é feia. Mas é também um bom pretexto para laurear a pevide em Cannes e no Mónaco - ambas cidadezinhas pequeninas, prosperazinhas e com um je ne sais quoi de altivez.

Agora Itália. Pisa tem a chamada "Torre Inclinada de Pisa". Notei que é realmente inclinada. Daí o nome. Florença é pequena e cheia. Opulenta e majestosa, com uma estátua, igreja ou praça renascentistas ao virar da esquina, tem ao mesmo tempo traços de vila pacata. Mais do que Roma, claro. A essa não lhe cheguei a ver encanto na luz ao fim da tarde, como me sugeria muita gente. Talvez porque não tenha lá passeado ao fim da tarde. Grande, exageradamente grande, vale pelo peso da História, que se sente, que se respira. Uma grande cidade. Bari? We'll always have Bari! Veneza, por fim, é tudo aquilo que se diz sobre ela e muito mais. É das poucas cidades que consegue superar as expectativas que se tem em relação a ela, por muito altas que sejam. Mas chega de futebol, passemos à Áustria.

Viena é a melhor cidade da Europa. A seguir a Lisboa, que é Lisboa, e a Paris, que é Paris (já lá vamos). Viena é clara e arejada, cheira a flores e a perfumes e a bolinhos, tem requintadas lojinhas gourmet e está repleta de jardins catitas, portas-meias com os palácios do Kaiser (o Franz, não o Chief), onde grupos de raparigas lindíssimas, não sendo lesbianas, celebram a vida com calorosos beijos na boca, tartes de mirtilhos, salsichas com mostarda e cervejas boémias. Aconselho vivamente (a rapazes e a raparigas) um Erasmus por estas bandas. Eu, pessoalmente, planeio mudar-me para lá. Danke schön Anissa für ihre Gastfreundschaft. Viele Küsse! Engasguei-me. O que acabei de escrever não quer dizer absolutamente nada. Prosseguindo...

Budapeste, a "pérola do Danúbio", está longe de ter brilho que faça justiça ao nome. Lavem as fachadas (qual reabilitação urbana Santanista), arranjem ventos dominantes que arrastem o fumo dos tubos de escape para longe e terão uma cidade bonita. Muito bonita.

Praga, comparativamente, é um sonho de cidade. Como nos opinou um turista americano num combóio, "Budapest is still changing, still trying to become a big city. Prague has done it already". E tinha alguma razão. Praga orgulha-se de si, das suas pessoas, da sua cultura e do estilo de vida que leva (uma mistura saudável entre dandismo boémio do séc. XIX e festa rija toda a noite), muito graças aos inúmeros jovens estudantes e à cerveja boa e barata. Em jeito de rodapé, registe-se o facto de não ter encontrado um único checo sóbrio. São esses e os polacos. Falando neles...

A Polónia? Curiosa. Salame e mostarda, vodka e rum. Ptrovnija! Um abraço ao Marius e ao Yannick, companheiros de viagem, Gente Rude do Combóio como nós! Cracóvia é pequena demais para doze horas de espera - daí ao Museu do Holocausto era um pulinho, pelo que fizemos das tripas coração e arriscámos uma visita. Ir a Auschwitz, à falta de melhor adjectivo, é perturbante. Não "perturbante" no sentido moralista do termo, se o há. É perturbante porque sim, porque se entra sem abrir a boca e se sai sem ter dito uma palavra. E sem falar se fica durante umas horas. Se houver justiça no mundo, os japoneses (guia turístico inclusivé) que insistiam compulsivamente em tirar fotografias aos sapatinhos de crianças mortas no campo, como se de um recuerdo se tratasse, perderam o avião e habitam de momento o aeroporto de Varsóvia porque não arranham o polaco.

A Bélgica não é feia. A sério. Brugges, cidade-de-bonecas critalizada no tempo, não é a Veneza da Flandres mas anda lá perto e tem uma beleza enublada própria. Ela e a sua sucedânea, Ghent. Em Bruxelas, as melhores gauffres estão na Avenue de Wavrans, nº7. E as melhores massas e as melhores saladas também. Saudades!

Amesterdão é estranha. Tudo bem que as especiarias estão legalizadas, mas não podia imaginar que uma cidade inteira vivesse à volta disso, que fizesse dos temperos o seu modo de vida. E as Coffee Shops que se recusam a vender bicas e o cheiro adocicado das ruas. Açafrão, certamente.

De regresso a casa, Paris. Paris é o que se vê nos filmes, melhorada. Cosmopolita, elegante, grande e vibrante. Gosto de "vibrante". Encontrei uma Paris muito francesa, muito cheia de si, ao mesmo tempo que uma Paris lisboeta, bairrista e luminosa. E a luz torrada das boulevards ao fim da tarde e as folhas caídas de inícios de Outono, a lembrar a minha Lisboa das Avenidas Novas, da Avenida da Liberdade, da Baixa, do Chiado. Paris é uma cidade com C grande. Tipo assim, Cidade. Como diz Alexandr Petrovsky, o Russo, "Paris is the best city in the world, yes?". Falava em Nova Iorque, para uma mesa de nova-iorquinos. Não voltou com a palavra atrás porque sabia que estava certo.

Já com um cheirinho a casa na bagagem, Barcelona. Esta, verdadeiramente, é a cidade que nunca dorme. É festiva, jovem, calorosa e exuberante. Se o propósito de um Erasmus for meramente extra-curricular, nesse caso, Barcelona is the place to be. Barcelona é diversão, Barcelona é a perdição! Madrid, essa, é feia.

Lisboa. Murmurando o "Porto Sentido" de nariz encostado no vidro do combóio, tive pena que ninguém se tenha lembrado de escrever uma letra tão bonita sobre Lisboa como o Tê escreveu sobre o Porto. Ah! Sérgio Godinho... O sol nascia ao longe, do outro lado do estuário do Tejo. Cansados vão os corpos para casa, dos ritmos imitados doutra dança... Mesmo de dentro da carruagem, pareceu-me ouvir as primeiras gaivotas a acordarem. Não sei se dura sempre esse teu beijo, ou apenas o que resta desta noite... Segundos depois, via-as, planando desordenadas, espreguiçando as asas. O vento, enfim, parou. Já mal o vejo... Uma, duas, três e um barco. Por sobre o Tejo... E de repente, do lado de cá da margem, isolada e ensolarada, a casa abandonada em que reparei à partida, no início da viagem. E já tudo pode ser tudo aquilo que parece... Feita de tijolos acimentados apenas, a casinha não tinha tecto. Dois pinheiros mansos cresciam nela, faziam de telhado. Na Lisboa que amanhece. JB