quarta-feira, junho 29, 2005

Náufragas (dia 4, de tarde)


O dia acabava com o sol a preparar-se para se esconder no mar, com tempo ainda de pintar as nuvens de laranja e o céu de cor-de-rosa. As ondas, agora mais calmas, reflectiam a luz do sol e transformavam o mar num imenso manto de brilhantes.
- Olhem! Olhem o mar! Parece cheio de... coisos.
- Não parece nada. Parece...
A Euguenia e a Marija, depois de um goles de vodka, tontas e agarradas uma à outra, discutiam o que o mar parecia. Estávamos bêbedas. Todas. Parecíamos querer esquecer a nossa situação. Éramos náufragas numa ilha deserta, sem terra à vista, longe de tudo e de todos, sem roupa além do que trazíamos no corpo e com comida para menos de uma semana.
- Karolina! Olha só!
A Inguna e a Natasha tinham tido a ideia de misturar vodka com leite de côco. Viravam uma garrafa ao contrário para dentro de um buraquinho que tinham feito num côco com uma pedra mais afiada.
- Vodka-côco! - disseram em uníssono.
Olharam uma para a outra, silenciosas por uns momentos, e desataram num riso mudo, agarradas à barriga.
- Parva, estás a entornar tudo!
- Tu é que tens a garrafa!
Ri com elas. Também eu tinha bebido um bocado. Bastante... Merda, estou tonta! A Natalia e a Carmen continuavam deitadas na areia e deixavam os seus corpos ser levados pelas ondas, fracas, elas e as ondas, enquanto riam de qualquer coisa que a Marija tinha dito. Estão doidas, não estão em condições para estar no mar! É perigoso... Ia gritar-lhes dali, mas tropecei e caí na areia. Deixei-as estar. E deixei-me também ficar, sentada na areia, a senti-la nas mãos e a olhar para as raparigas que se riam de mim. Parvas...
Procurei a Valentina. Encontrei-a mais atrás, ao pé das árvores, a soluçar, encolhida. A Hana procurava animá-la com beijos no ombro e festinhas no cabelo mas chorava também. A Natalia, enrolada na areia, nas ondas e na Carmen, percebeu o que se passava. Apoiou-se na Carmen para se pôr de pé e ajudou-a a levantar-se.
- Que foi, pá?
- É a Valentina...
Espremeu o cabelo e saiu da água, ondulante, seguida da Carmen. Debruçou-se sobre a arca e tirou de lá a lata de leite condensado que ainda não tinha acabado.
- Queres, Carmen?
- Não. Dá-me antes a garrafa de vodka.
Deu-lhe a garrafa quase vazia, pousou na areia a lata que segurava e despiu a parte de cima do biquini. Olhou mais uma vez para a Valentina e a Hana. Já não estavam a chorar, a Marija e a Euguenia estavam com elas. Sentou-se na areia e recomeçou a comer o leite condensado com os dedos.
Já não se via o sol. Merda! Não acendemos uma fogueira!
- Miúdas, esquecêmo-nos! Não fizemos uma fogueira!
Ficaram silenciosas, preocupadas.
- Tem calma! - gritou do fundo a Carmen, deitada de lado na areia, com a cabeça apoiada na mão - Não há-de ser difícil. Temos vodka! - levantou o braço onde segurava a garrafa.
- E isqueiro! - acrescentou a Inguna - Dos maços de tabaco.
É verdade... Tudo parecia mais simples, agora que tínhamos encontrado a arca.
- Boa! Vou buscar paus secos à floresta. Quem quer vir comigo?
A Natalia ofereceu-se de imediato, com os lábios cheios de leite condensado e os dedos lambuzados. Levantou-se, limpou o que tinha entornado na barriga e vestiu o biquini.
- Estou pronta, Karolina! Vamos!
Deixávamos a praia e entrávamos na floresta, até onde tínhamos ido da outra vez para encontrar paus que ardessem melhor. Agora, no entanto, quase de noite, tudo parecia diferente. Não vejo nada... A Natalia deu-me a mão.
- Estás com a mão toda lambuzada, Natalia!
- Claro! Estive a comer.
- Detesto leite condensado.
- Já provaste?
- Não. Mas sei que...
Antes de me deixar terminar a frase, estava a beijar-me, no escuro, com os braços à volta da minha cintura. Sentia o sabor do leite condensado nos meus lábios.
- Como é que é possível não gostar de leite condensado?
- Boca de pato...
- Oh!
Senti umas mãos a agarrar-me os braços. Tentei olhar, mas não via nada. Não eram as mãos da Natalia.
- Karolina?...
- Natalia!
Senti puxarem-nos com força, cada uma para seu lado.
- Karolina!!
- Natalia!
Havia mais alguém na ilha.

JB