segunda-feira, maio 16, 2005

É para o ano

Um grande amigo meu, sportinguista doente, manda-me uma mensagem a seguir ao jogo Benfica-Sporting de ontem: "Então?! Como te sentes? É boa a sensação de ser campeão por causa de um golo irregular à cara podre?! Deve ser espectacular."
Respondi-lhe: "Vai perguntar isso a outro, mandrião! Já te disse o que penso. Não me sinto um benfas* e infelizmente hoje não dá para ser benfiquista sem ser benfas. Por isso não festejo. Não gostava de estar no teu lugar, mas também não é giro estar no meu. (Quem é que ganhou, Juventude de Évora ou Imortal?)"

(*benfas, s. m. benfiquista-encarnação do terceiro anel; sinónimo de facciosismo; muitas vezes confundido com ignorância; pode usar gel no cabelo; ver sporfas, porfas, tuga.)

Sem pôr em causa a dita invalidade do golo ou o jeitaço que o Ricardo tem nas saídas da baliza, não, não me sinto bem; não, não é boa a sensação de ser campeão - ainda que, tecnicamente, ainda não o sejamos. Gostava de estar contente com tudo isto, mas aparte dos saltos que dei na cadeira e dos impropérios que soltei quando a bola passava lá perto (de ambas as balizas), não sinto nada de agradável em mim. Antes pelo contrário, sinto uma espécie de azia, um certo bichinho que me mói por dentro e que começou a moer mais violentamente desde ontem.
Esse mesmo amigo sportinguista e outro, portista não tão doente, numa noite do Bairro Alto, achavam escandaloso eu nem sequer saber com quem é que o Benfica ia jogar na jornada seguinte. Pedi-lhes que se pusessem no meu lugar, que se abstraíssem do facto de serem de outros clubes e de por natureza odiarem o Benfica, e perguntei-lhes se gostariam do Benfica, se escolheriam ser do Benfica. Perceberam o meu ponto de vista... e a resposta foi "Não".

Ser do Benfica, hoje, é ser também do Benfas**. É desse Benfas que tenho pena, é esse novo benfiquismo que me causa repulsa. É um benfiquismo, em resumo, criado a martelo por dirigentes de alto gabarito e vastidão lexical ("ahn?"), apaixonados pelo Eusébio desde petizes e amantes sinceros do desporto-rei. É o benfiquismo das peregrinações ao clássico, dos meninos que nunca viram nem o mar nem o Mantorras, o benfiquismo da TVI.

(**Benfas, s. m. instituição de utilidade pública arquitectada na passagem para o novo milénio e fundada por Luis Filipe Vieira.)

No apocalíptico combate Razão vs. Coração, é fácil perceber qual ganhou e qual eu queria que tivesse ganho. Se não houver coração, não vai ser a razão a fazer-me voltar a gritar pelo Benfica.
É que, racionalmente, ninguém é do Benfica. Ser de um clube não é um acto racional, é emocional, eu sei. Mas agora que, sem querer, fui desconstruindo (por diversão ou por curiosidade?) todo o sentimento pelo Benfica fundado irracionalmente em miúdo, percebo que não há forma de voltar atrás. Pelo menos enquanto o único benfiquismo que se deixa mostrar for o novo benfiquismo.
Tenho esperança de que isto vá ao sítio (seja o que "isto" for - ou eu ou o Benfica). Sinto falta do cheiro a petardo e sandes de courato. Tenho saudades de apertar o cachecol nas mãos e beijá-lo, de acreditar que isso fazia ganhar campeonatos. Tenho saudades de me abraçar, em lágrimas, a homens de bigode e barriga de cerveja que não conheço de lado nenhum.
Mas tenho, sobretudo, saudades de dizer, com os olhos incrédulos e o peito a explodir de tudo:

"É para o ano..." JB