quinta-feira, maio 25, 2006

Casamento Um Poucochinho Gay*

Assistimos há umas semanas na nossa faculdade a um recolher de assinaturas. Como gosto de ajudar as pessoas e toda a gente me diz que tenho uma caligrafia invejável, assinei desenfreadamente e com um sorriso na cara todos os espaços em branco que encontrei. Só depois me disseram ao ouvido, entre dois goles para empurrar um Xanax, que tinha assinado uma petição a ser entregue à Assembleia da República para legalizar os casamentos homossexuais. Não fôra eu grande admirador da malta bloquista (vegetarianos inclusivé), o meu frágil organismo teria entrado em colapso.
Dos analistas no telejornal às comadres no autocarro, da blogosfera às manhãs da TVI, quem não dissertasse sobre o casal sensação era olhado como gay reprimido ou homofóbico despudorado. Ora, sendo eu ambas as coisas, teria tomado a liberdade de juntar o meu bitaite aos restantes e teria iniciado naquela mesa e naquele momento um inflamado debate.

Enfim, tudo havia começado com um episódio. A Teresa e a Helena queriam casar-se. Até aí tudo bem, tudo porreiro. Mas a Teresa e a Helena queriam casar-se uma com a outra. O problema jurídico é simples. “A Teresa e a Helena querem casar-se uma com a outra. Quid Juris?” Mas a querela jurídica é mais birrenta.
Para uns, o Código Civil viola desavergonhadamente o princípio constitucional da igualdade porque priva uma parcela de indivíduos de um determinado direito – o direito a casar. Para outros, não há qualquer contradição entre a Constituição e o Código Civil porque a não discriminação em função da orientação sexual prevista no artigo 13.º da Constituição não enferma que a definição de casamento seja o que é (uma união entre um homem e uma mulher) e que os homossexuais possam de facto casar – com alguém de sexo diferente.

Mas como não sou uma pessoa séria nem o Direito me diz nada, não era disto que vinha aqui falar. A Teresa e a Helena querem casar-se. Uma com a outra. Ouvi a notícia esparramado no sofá entre duas colheres de Weetabix e entornei a malga de cereais no tapete e nas pantufas. As minhas mãos tremiam, incrédulas. Elas e eu. Não queria acreditar nos meus ouvidos, não podia ser verdade o que ouvia. Soltei um gritinho que despertou o meu cão da digestão, desatei a correr com as mãos no ar e tranquei-me no meu quarto. A minha cabeça centrifugava, trabalhava a mil à hora. Anos e anos de conversas, páginas e páginas de revistas marotas... Estava derrubado o Mito da Lésbica Gira.
Foi nesse momento que me lembrei da minha antiga professora de Filosofia (que não era lésbica mas era danadinha por silogismos categóricos). Sentei-me na cama, enxuguei as lágrimas homossexuais e respirei. Vamos por premissas: Todas as lésbicas são giras. A Teresa e a Helena não são giras. Aliás, não desfazendo, são feias. Logo, a Teresa e a Helena não são lésbicas. Podem ser padeiras, funcionárias públicas ou profissionais de corfebol, mas lésbicas não são.

Percebi que talvez andasse a ver Dragon Ball a mais quando qualquer frase que ouvia da boca dos protagonistas me parecia uma ameaça aos povos da Terra e do Universo. O advogado do casal, que altruisticamente prescindiu dos honorários (temos de ser uns para os outros), cita Chico Buarque e Ney Matogrosso entre dois pezinhos de samba e solta um “vou até ao fim!” de punho erguido. Teresa, a do bigode, é ainda mais afirmativa quando diz, e aqui estou a citá-la (e aqui citei Mário Crespo), “Não hei-de morrer sem estar casada em Portugal.” Mas, valha-me Deus nosso Senhor, ao depravado pedido dos jornalistas, as moças tiveram o bom senso de responder “não há beijinhos”.

Vamos a um supônhamos: Suponhamos que é Helena o macho da relação, ou que, vamos lá, abraçou a missão de propor Teresa em casamento. “Olá, sou a Lena. Sou feia como os trovões e reparei que tu também. Às tantas somos maricas, por assim dizer. Queres casar comigo, desafiar a nossa ordem jurídica e ser feliz?” Não é verosímil, não é aceitável.

Para uns, o casamento homossexual é um escândalo. Para outros, é um escândalo a discriminação de que os gays são alvo. Para mim, escandaloso, escandaloso é o penteado da Helena.

* (Texto publicado na revista "Iuris Grafia", edição Janeiro, Fevereiro e Março 2006) JB

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Hi! Just want to say what a nice site. Bye, see you soon.
»

08 junho, 2006 04:41
Blogger Diogo Vaz Pinto said...

No meu blog mandei este post:
http://omelhoramigo.blogspot.com/2006/07/artigo-um-poucochinho-gay.html

Só para dar conhecimento

04 julho, 2006 18:06
Anonymous Anónimo said...

Great site loved it alot, will come back and visit again.
»

22 julho, 2006 20:19

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