sábado, dezembro 03, 2005

Pool Boys

A mítica jogada, no não menos mítico jogo milenar.

A apreciação das trajectórias é feita milimetricamente. Um olho aberto a calcular as distâncias. O outro fechado, pois claro. Muitas bolas em cima da mesa. Jogo recentemente aberto. Ao calhas, como todas as aberturas de jogo. Variadas possibilidades de possível possibilidade de sucesso. Tudo muito relativo, veja-se.
Algumas, porém, ficaram mais perto do buraco. Resultados fortuitos de uma primeira tacada ao acaso. Ou talvez já estivessem destinadas para tais feitos... Nunca se saberá. Sabemos, contudo, que rumo dar ao jogo. O rumo da simplicidade. O rumo da perfeição estratega. De quem demonstra de modo subtil que esteve sempre no domínio do jogo. Não queremos a soma instintiva de pontos, qual animal sôfrego. Não queremos a glória efémera de uma primeira tacada certeira. Não. Desenhamos o momento em que todas as bolas se disponham de número para cima, orgulhosas da sua condição, à beira do respectivo buraco, desejosas de cair em perdição. Aí, decidiremos qual meter primeiro. Aí, controlaremos o jogo. Aí, sorriremos enfim.

Lembro-me da minha primeira tacada. As mãos trémulas, a testa suada, a língua entre os dentes, o desconforto embaraçoso da posição. Já me tinham dito tudo o que precisava de saber sobre o jogo. Mas ali e naquele momento, tremia. Olhava-a de frente, media-lhe as curvas. Por instantes, num arrepio quente, soltei o braço e joguei. Lento, demasiado lento. Talvez não chegue... Sobre o pano aproximaram-se, tocaram-se num instante sonoro e afastaram-se de novo, cada qual para seu lado. Metera a bola no buraco. Iniciara-me, por fim, no snooker aplicado.

Não há, porém, engenho intelectual desta dimensão que não contenha as suas vicissitudes. Com os grandes planos, vêm os grandes riscos. Com os grandes riscos, as grandes hipóteses de insucesso - insucesso devastador, insucesso cru, criador das mais deprimentes e absolutas tristezas. É por isso mesmo que nos orgulhamos de enunciar de seguida, neste concentrado de sabedoria milenar, os principais perigos a que tereis de estar atentos - e como ultrapassá-los.
Dito e feito. Aquando de uma partida de snooker aplicado:

- Jogai sempre às vossas bolas e nunca a bolas alheias. Uma incursão menos deliberada em esféricos fora da vossa competência trar-vos-á inevitavelmente conflitos com os outros jogadores. Limitai-vos, portanto, à divisão das unidades definida no início do jogo.

- Resisti à tentação de meter uma primeira bola, ainda que a mesma se encontre apetecivelmente periclitante. Estragar-se-á toda uma estratégia em troca de um ânimo meramente efémero. Tal acto revelaria apenas fraca visão de jogo e débil auto-controlo.

- Acautelai-vos aquando da colocação das bolas à beira dos buracos. Um nível de intensidade mais desmedido numa tacada poderá fazer introduzir uma bola prematuramente e, desta forma, colocar o vosso plano em risco. Este aviso vem no seguimento do anterior. Nunca, mas nunca, colocai uma bola dentro do buraco antes de todas estarem numa posição tal que vos permita melhor avaliação da tacada preferencial.

- Procurai, de igual modo, se a destreza no desporto vos permitir e se a sorte amiga vos acompanhar, ser selectivo. A bola que suspira à beira do buraco é estranhamente fácil, perigosamente óbvia. Um toque bastar-lhe-á, um só sopro a moverá. E com um toque e um sopro desaparecerá.

- Tomai sempre todas as previdências por forma a evitar ser "queimado" pelos outros jogadores. O acesso ao vosso jogo não deve jamais ser obstruído. Deste modo, distribuí as bolas de forma dispersa e calculada. Com o mínimo de contacto entre as mesmas, lembre-se, de maneira a evitar confusões numa fase final.

- Evitai a todo o custo a introdução da bola preta. Esta deverá ser a última a entrar e já numa fase de fastio razoável. Uma jogada mais negligente desfeiteará as possibilidades de sucesso com as outras bolas.

Estes são os perigos mais frequentes e os princípios fundamentais a que deveis atender intransigentemente. Descurai jamais da observância de qualquer um deles, pois são de importância vital para o sucesso no jogo. Segui estes conselhos e sairás vitorioso. Ignorai-os e cairás na mais angustiante das agonias, na dor de ser pequena e pálida, bola branca abandonada.

"Sem a loucura, que é o homem, mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?". Pool Boys somos, Pool Boys seremos. Porque acreditamos que a vida é simples. Simples como um jogo de snooker.
Este projecto encerra a perfeição. Do quê, não sabemos. BF/JB

(na senda alegórica de "Bacalhau Espiritual")