domingo, maio 29, 2005

Luciano Nostradamus Guerra

Há temas importantes demais, humanos demais, para serem abordados de coração quente, irracionalmente e com tamanha ironia:

"Os contentores de resíduos hospitalares vão transbordar de crianças mortas. (...) Corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie, ao olhar horrorizado ou faminto de pessoas e animais. (...) Haverá sempre mulheres que não têm meios, ou não têm cara, para pedir a um estabelecimento que lhes esquarteje em pedaços o filho das suas entranhas. (...) Esses corpos inocentes poderão ser macabramente transformados em cremes de amaciar a pele das próprias mães." (in Expresso, 28 Maio 05)

E há temas que, tratados com tal frivolidade, não devem ser postos no mesmo plano que outros:

"É previsível que, dentro de pouco tempo, tenhamos visitas de Estado ao mais alto nível em que uma rainha (...) dará o braço a outra senhora com estatuto de esposa, ambas de malinha na mão." (in Expresso, 28 Maio 05)

Dos "corpos esquartejados de bebés em lixeiras" às "malinhas na mão" senti um misto de repulsa, de pena e de raiva em poucos segundos. Repulsa e pena pelo homem que escreveu o artigo, um profeta do lago de fogo e enxofre. Raiva porque o homem é um padre. Na sua posição, com o seu peso na sociedade (demasiado, vê-se!), tem de ser responsável (coisa que não foi) e de pensar duas vezes antes de falar (coisa que não fez). Ou será que fez? É esta visão que mais assusta. É possível, aliás, provável, que este autêntico vidente de Fátima tenha escrito o que escreveu no jornal - e dito o que deve ter dito na homilia -, sabendo do peso que a sua palavra tem no seio de certa comunidade religiosa (i.e., "beatas").

A minha mãe disse-me para "ignorar esses gajos". Não consegui.
E hoje deixou-me dormir na cama dela, porque não me saem da cabeça imagens de pezinhos de bebés, que o meu pai tanto gostava de fotografar. JB