domingo, julho 31, 2005

O Pontos Negros entra agora de férias, por tempo indeterminado. Tipo Agosto e Setembro. Tudo dependerá do quão estupendas as férias forem. O Bernardino vai trabalhar como escravo num parque de diversões aquáticas em Benidorm, o João vai fazer um inter-rail por Foros de Amora, Corroios, Pragal e Fogueteiro com a instituição e o Rodolfo vai caçar gazelas no Serengueti.
Para a nova temporada, o Bernardino promete um maior controlo da Força e deixa no ar uma possível candidatura presidencial. O João promete literatura de alto gabarito, um ou outro confessionalismo desinteressante e uma ou outra menina bonita menos agasalhada. O Rodolfo promete escrever. No blogue também.
Até lá, entretenham-se com Ella. Boas férias!

Náufragas (o dia seguinte)



Cheguei à faculdade. O Bernardino e o Rodolfo já lá estavam, com os outros, ao fundo do corredor, a discutir trivialidades como costumávamos e gostávamos de fazer. Cheguei-me a eles, bocejando.
- Bom dia!
- Salvo seja...
O professor saía agora do bar. Vinha apressado, como sempre atrasado, sorrindo aos alunos que passavam.
- Berhan, lês a Vogue?
Notavam que trazia uma revista na mão.
- Vejo as gordas.
- Salvo seja...
O professor parara à porta, olhando para o relógio, esperando que entrássemos à sua frente.
- E o Universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
- Adeus ó Esteves!
- Deixa-me ver a revista.

JB

Náufragas (dia 6)


- Karolina!! Miúdas!!
Abri os olhos devagar, um de cada vez, semiergui-me sentada e tentei olhar em frente. Tão cedo... Sacudi a areia do corpo e vesti a parte de cima do biquini. O sol tocava ainda no mar, acabado de nascer. Natalia? Vi-a ao fundo da praia, no mar, a água pela cintura. Olhava para longe, de pescoço erguido. Pela expressão do seu corpo, imóvel de repente, notei que observava alguma coisa no mar. Tentei olhar também mas dali, sentada atrás da palmeira, não via nada. E de repente, a Natalia começou a nadar.
- Natalia!
Segui-a com o olhar e esperei. Decidi levantar-me quando deixei de a ver. Olhei. Um barco...
- Natalia!! Natalia!!
As raparigas despertavam resmungonas com os meus gritos.
- Miúdas! Acordem!!
Corria pela areia, tropeçando a cada passada. A Carmen, já de pé, acordava as outras, abanado-as e atirando-lhes areia.
- Vá!! Vamos embora daqui, pá! Há um barco na ilha!!
- Há um quê?
- Merda, olha!! - disse, segurando o queixo da Inguna - Um barco!
Agarrou nas últimas garrafas de vodka e correu atrás de mim. As outras levantavam-se uma a uma, e uma a uma vinham a correr. Umas eufóricas, umas a chorar, todas a gritar. Entrei na água.
- Karolina, espera!
Atrás de mim, a Carmen perguntava-me com os olhos o que fazer com as garrafas. Carmen... Olhou para elas, desanimada, pousou-as na areia e entrou na água.
Entrámos no barco, puxadas pela Natalia, e ajudámos as outras a subir. Uma por uma, embarcámos as nove. A Natalia puxou-me por um braço.
- Karolina, apresento-te à tripulação.
Virei-me, encharcada.
- A Gisele Bündchen, a Adriana Lima, a Heidi Klum, a Tyra Banks e a Julia Stegner.
Sorrimos, tímidas, e acenámos. Atrás de mim, a Inguna lembrara-se:
- E eles?!
Calámo-nos e olhámos umas para as outras, boquiabertas. A felicidade de ter visto o barco não nos tinha deixado pensar que não estávamos sozinhas na ilha. Lembrava-me do Jean-Piere quando a Gisele interrompeu.
- Eles quem?
Nenhuma de nós respondeu. Olhámos uma última vez para a ilha - o longo areal branco, encolhido entre o azul do mar e o verde da floresta. Por momentos, pareceu-nos ver alguém, nas sombras das árvores, espreitando. Olhámo-nos de novo e sorrimos.
- Ninguém.

***

A ilha, escondida no nevoeiro, era já do tamanho da palma da minha mão. A Natalia, ao meu lado, debruçava-se na popa, de olhos fechados, o queixo apoiado na mão, sentindo o vento no cabelo e na roupa.
- Boca de pato...
Sem abrir os olhos, encolheu os ombros, deitou-me a língua de fora, inspirou fundo e sorriu.
- Karolina, Natalia! A Gisele e a Adriana estão a fazer caipirinhas para todas!

JB

sábado, julho 30, 2005

Não é de mim, expôr-me assim (ou Porque o meu problema é de timing)


There is a light that never goes out
The Smiths


"Take me out tonight
Where there’s music and there’s people
And they’re young and alive
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven’t got one
Anymore

Take me out tonight
Because I want to see people
And I want to see life
Driving in your car
Oh, please don’t drop me home
Because it’s not my home, it’s their home
And I’m welcome no more

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure, the privilege is mine

Take me out tonight
Take me anywhere, I don’t care
I don’t care, I don’t care
And in the darkened underpass
I thought oh god, my chance has come at last
(but then a strange fear gripped me
and I just couldn’t ask)

Take me out tonight
Oh, take me anywhere, I don’t care
I don’t care, I don’t care
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven’t got one
Oh, I haven’t got one

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure, the privilege is mine

Oh, there is a light and it never goes out
There is a light and it never goes out..."

JB

sexta-feira, julho 29, 2005

Viagens na Minha Terra (X)

"- O mundo é pequeno.
- Não é assim tão grande, não." JB

quarta-feira, julho 27, 2005

Viagens na Minha Terra (IX)

"A depressão é o passatempo de quem não tem nada que fazer." JB

segunda-feira, julho 25, 2005

A verdade por detrás d' "O Enviado"

O post imediatamente abaixo não deve ser levado (muito) a sério. Foi gerado num ambiente de ácidos, do qual pouco me lembro. O Enviado de que falo é, na verdade, uma lombriga a que chamo de Zé Rui. No fundo, o que eu queria dizer é que o lobo da Alsácia, por ser da Alsácia, não é um pastor alemão, mas um pastor francês. Qualquer semelhança do texto com a realidade é culpa do país em que vivo. BF

O Enviado

Rex, o cão polícia, mostrava-me as ruas de Viena, enquanto perseguia mais um fora-da-lei. Os meus olhos seguiam-no, levianamente, desligando-se de um cérebro ainda em aquecimento. Devia ser ainda uma hora da tarde e eu tinha acabado de acordar.
Anestesiado pelo ruminar dos cereais mastigados, dei por mim a pensar que fazia sentido Rex ser um pastor alemão. Afinal a série passava-se em Viena. Dentro do reich, portanto. O cão devia ser o rosto alemão. Perdia-me nas origens do bicho, quando o Processador de Memória me informou que também lhe chamavam Lobo da Alsácia. Ao cão, entenda-se. «Hmmm». Entrei outra vez naquele leve triturar de informação crocante que me entorpecia. O movimento maxilar mecânico embalava-me com as imagens de um cão comissário.
«Mas...?».
De repente tudo parou! O movimento cessou, o cerébro conectou-se e algo lá dentro carburou. Pouco depois eram lidas as primeiras páginas do relatório "Alsácia". «Alsácia, província francesa de fronteira onde Strasbourg é...». Ainda o chefe do Departamento de Informação não tinha acabado de proferir a primeira frase, quando o Processador Central encontrou uma falha nos dados. As primeiras palavras comprometiam a segurança do sistema! Uma acção de emergência era necessária.
Já se ouviam as primeiras explosões no perímetro exterior, quando o Enviado chegou ao sector vocabular. Limpava o suor da cara, à medida que analisava a informação expelida pelo computador. Não podia ser! Havia sido detectada uma incompatibilidade na sinonímia dos termos "Pastor alemão" e "Lobo da Alsácia". Não, o Processador Central não o permitiria! Como é que ninguém se tinha apercebido da falha? O Enviado tinha uma ideia dos (ir)responsáveis: «os Serviços de Supervisão...». As paredes coruscavam à sua volta. Não tinha tempo para se preocupar com culpados agora. Esta era a maior bronca com que se deparara desde que estava naquelas funções. E tinha de a resolver. O dilema encurralava-o de forma impiedosa. Ou separava os dois termos ou o pastor alemão não o poderia continuar a ser. Ele, que ainda há pouco tempo era sub-secretário do chefe adjunto da Informação, era agora chamado a tomar uma decisão desta magnitude. O desespero escorria-lhe pelo corpo e os segundos fugiam-lhe. «Pré-processo de emergência iniciado...». O Processador Central informava-o do início da contagem decrescente. Uma acção de emergência traria consequências trágicas. E ele sabia-o melhor que ninguém. Tinha integrado o projecto que criara o Processo. Uma decisão iluminou-o, por fim.
A necessidade aguçara, num último esforço, o engenho do jovem e magro agente. E quão magro ele parecia agora, com as sombras e o brilho das faíscas ocasionais na cara. Tinha de separar os termos. Era isso! Implicava uma redefinição dos dados fixos, ele sabia-o, mas era o procedimento possível e o único que não comprometeria a futura estabilidade do sistema. Limpou a testa com a manga da camisa e preparou-se para inserir a informação no terminal. As palavras formavam-se rapidamente no ecrã à sua frente, acompanhando o passo da contagem. «59, 58, 57...». O Processador Central dava agora sinais de reacção. «Alterações aceites... a carregar... por favor espere». Não há tempo! «45, 44...». A face do Enviado fechara-se. Era uma pessoa diferente, a que estava agora em frente do terminal. O imberbe simpático que um dia tinha servido cafés no Departamento de Informação desaparecera. No seu lugar, de olhos brilhantes, corrompia-se um homem a quem tinha sido dado muito poder. O telefone ao seu lado tocou. «...o calor... rápido...». Os gritos das pessoas no outro lado da linha entrecortavam-se com as explosões e tornavam a voz ténue do Chefe Supremo difícil de ouvir. «...por favor... consegue-nos ajudar?». Os olhos brilharam-lhe ainda mais. «Se consigo? Por um preço tudo se consegue.»
BF

Náufragas (dia 5)


Foram-se embora com o nascer do sol. Eu arrastava-me ainda pelo areal, à procura de uma sombra debaixo de uma árvore para dormir. Não dormi nada... Sorri comigo quando pensei porquê.
Passava por elas e via-as enroscadas umas nas outras, à sombra das palmeiras e das rochas. Já adormeceram. Vi a Carmen, estendida na areia ao pé de uma palmeira, sozinha, a dormir de boca aberta, coberta com a camisa do Benny. Cheguei-me a ela e deitei-me, aninhada. Fechei os olhos e suspirei. Sentia-me adormecer quando uns lábios molhados me beijaram o pescoço. Natalia... Espreguicei-me com um sorriso e olhei para ela. Ajoelhada na areia, a pingar dos pés à cabeça, ajeitando-me o cabelo atrás da orelha, olhava-me com olhos doces. Boca de pato...
- Ainda a dormir?
- Não dormi ainda. O Jean-Pierre...
- Escusas de explicar.
Ficámos caladas. Ela mordia o lábio, como fazia quando queria perguntar alguma coisa.
- Que foi, Natalia?
- Aconteceu alguma coisa?
- Como assim?
- Entre vocês...
- Ah! Não, nem por isso.
Silêncio outra vez. Outra mordidela no lábio.
- Diz...
- Vi-vos beijarem-se.
- Sim, mas não aconteceu mais nada.
- Mais nada em que sentido?
- Natalia...
Fomos interrompidas pela Carmen, que acordava num bocejo.
- A Karolina pensava que lhe perguntavas se tinham ido para a cama.
Olhei para a Carmen. Ir para a cama, na ilha... Desatámo-nos a rir.
- Que foi?
A Natalia franzia o sobrolho e fazia beicinho. A Carmen estendeu o braço à volta do seu pescoço e deu-lhe um beijinho na bochecha.
- Vá, miúda! Conta tu como foi a tua noite.
- Lembro-me de pouco. Sei que estou com dores de barriga dos morangos. - disse, com voz de birra, pondo a mão na barriga molhada.
- E tu e o outro?
- O Rudi?
- Não era Rud? - perguntei.
- Não gozes. Ele é mesmo querido. Adormeceu-me com festinhas no cabelo.
A Carmen riu-se beijou-a na testa.
- Ainda bem, miúda. Mas eu e o Benny demos mais do que beijinhos. Fizemos mais do que festinhas um ao outro.
A Natalia corava e mordia outra vez o lábio.
- Fizeram amor?
- Sexo.
A Natalia olhava para mim, engasgada. A Carmen percebeu que a Natalia não se sentia à vontade e tentou remediar, animada.
- Mas o melhor foram os beijos. Ele beija mesmo bem. - disse, a piscar-me o olho.
- A sério? Como?
- Tipo assim...
Beijou-a. Demoraram-se num beijo longo e arfante, enquanto se começavam a ajeitar uma na outra.
- Meninas, à minha frente?
- Que foi, Karolina? - perguntou-me a Carmen pelo canto da boca.
Debruçou-se num gesto rápido e deu-me um beijo curto e ruidoso. Afastei-a, com a mão, sorrindo. A Natalia, pela cara que fazia, estava mais ciumenta que envergonhada.
- Boca de pato...
Não me deixou falar mais, puxou-me pelo biquini e respondeu-me num beijo salgado e raivoso. Senti-a afastar-se, por fim. Não, agora estás tramada! Puxei-a eu e trinquei-lhe o lábio. Assim ficámos, a rir, eu sentindo-lhe o corpo molhado e frio, até sermos interrompidas pela Carmen.
- Por muito divertido que isso seja, parem por uns segundos. - apontou para a praia - Elas estão a chamar-nos.
Olhámos. As outras acordavam com os risos da Natasha e da Marija, que furavam as ondas e atiravam água uma à outra. Já cansadas, afastaram-se, ofegantes. A Natasha despia o biquini.
- Agarra, Valentina! - gritou.
A Valentina agarrou a parte de cima, trapalhona, e apanhou do chão a parte de baixo do biquini. Estendeu-o na areia e tirou também o seu. Doidas... As outras riam-se. Decidiram fazer o mesmo. Despiram-se e correram para o mar. Olhámo-nos, as três. Levantámo-nos, despimos os biquinis e descemos a praia até ao mar.
- Esperem por mim!
A Natalia atrapalhava-se com o nó do biquini.
- Boca de pato!

JB

domingo, julho 24, 2005

Insólito és tu!

Disse "Morangos, numa ilha tropical?!"
Podia ter dito "Nove modelos, numa ilha tropical?!" JB

sábado, julho 23, 2005

Amor à profissão

"Vamos então ver em que medida é que os toiros da dona Guiomar colaboram com o espectáculo!"

Excerto de relato televisivo de uma tourada.

É com felicidade que vejo que já arranjaram trabalho para o verão aos comentadores de futebol da TVI . BF

Pior a emenda que o soneto

Soube há pouco, via Telejornal, que o homem morto ontem à queima-roupa pela polícia britânica na estação de metro de Stockwell não tinha qualquer ligação com os atentados de quinta-feira... Estava-se mesmo a ver.

Será esta política de "shoot to kill", em que ao mínimo gesto suspeito se mata alguém, a melhor resposta a um problema de insegurança? É que com a noção de "suspeito" tão relativa nos corações revoltados dos polícias britânicos, e com este à vontade a disparar para matar, não sei o que é que inspirará mais receio, se os terroristas se as forças policiais. BF

sexta-feira, julho 22, 2005

Viagens na Minha Terra (VIII)

"Tens um corpo espectacular. Gostas de Dostoievski?"


"Tens um corpo espectacular. Gostas de System of a Down?"


Ao Mouro. JB

Viagens na Minha Terra (VII)

Quando o ano passa depressa demais é sinal de que. JB

É o querer aparecer...

"Grupo ligado à Al-Qaeda reivindica autoria dos atentados de ontem em Londres"

Eu se fosse terrorista, não me orgulhava dos atentados de ontem. BF

Acção de formação

"Polícia britânica mata homem numa estação do metro de Londres."

Cheira-me que a polícia inglesa andou a tirar um curso intensivo do outro lado do Atlântico. BF

quinta-feira, julho 21, 2005

Que dizes a isto, ó Capote?

"O estragão é grande amigo da alcachofra."

em Kitchen Sessions, na Sic Mulher. JB

Viagens na Minha Terra (VI)

"Balelas! É perfeitamente razoável. Adiante..." JB

quarta-feira, julho 20, 2005

Bad cop, good cop

"Campos e Cunha demite-se. Novo ministro das Finanças toma posse amanhã"

Levámos tareia do polícia mau. Agora, começamos lentamente a esboçar um sorriso desfigurado, inspirado pela luz e aura de compreensão que do polícia bom parece emanar. BF

Náufragas (dia 4, de noite)


- Karolina, onde estamos?! Não vejo nada!
A Natalia enroscava-se em mim e apertava-me o braço, assustada, cravando-me as unhas na pele. Abracei-a com mais força à volta do pescoço e senti-lhe as lágrimas na minha cara. Tentei acalmá-la com festinhas no cabelo.
- Não sei, Natalia. Tem calma, isto não há-de ser nada...
Não tinha grande convicção no que dizia. Tínhamos sido agarradas por alguém e carregadas às costas até ao que me parecia ser uma aldeia no meio da ilha. Estávamos fechadas dentro de uma cabana, às escuras, vendo sombras entre os troncos que compunham as paredes e ouvindo vozes sussuradas de homens, lá fora, à porta.
- A Carmen e as outras vêm buscar-nos quando derem pela nossa falta, não vêm?
- Vêm, de certeza, Natalia...
Também não acreditava no que acabava de dizer, nem pelos vistos acreditava a Natalia, que recomeçava agora a chorar. Os sussuros lá fora tornavam-se vozes, algumas delas mais exaltadas. Silêncio, por um momento. A Natalia apertou-me o braço com mais força e trincou-me o ombro. Ouvia dela pequenos gemidos intermitentes e assustados. Calma, Natalia... A porta abriu-se.
- Podemos?
Nenhuma de nós respondeu. A Natalia fechava os olhos, com medo. Eu olhava para a porta, com medo também. Um homem, espreitando primeiro, baixava-se para passar pela porta da cabana. Não lhe víamos a cara. Viámos apenas um vulto, a silhueta de um homem alto e forte, de cabelo comprido. Atrás dele, mais um homem entrava na cabana. Um terceiro passou a porta, com uma pequena tocha na mão que iluminou o interior da cabana.
- Não se assustem.
Quem falava era o do meio, o mais alto, que tinha entrado primeiro e que dava agora um pequeno passo em frente, cauteloso. Tinha uma voz grave e cavernosa, suave no entanto. Nem por isso ficámos mais calmas. A Natalia soltou mais um gemido, de olhos cerrados.
- Desculpem a falta de educação, não devíamos ter pegado em vocês daquela maneira. - olhou para a Natalia, encolhida e com o biquini desajeitado, as pernas sujas de terra - Desculpem se vos magoámos.
- Não nos magoaram. - disse eu, orgulhosa, sem saber bem porquê.
Sorriu levemente num suspiro e segredou qualquer coisa ao ouvido do homem à sua esquerda, sem a tocha, que saiu apressado, gritando pelos outros. Enquanto ouvíamos passos agitados fora da cabana, eu e o homem da frente olhávamo-nos. Não desviámos o olhar por uns longos instantes. Via nos seus grandes olhos negros e brilhantes qualquer coisa que me acalmava e dizia que ali, entre eles, estávamos seguras. Os outros acabavam de chegar.
- Jean-Pierre, a água...
- Dá-lhes, Rud.
Jean-Pierre... O primeiro a entrar, que tinha saído há pouco, trazia nos braços uma taça larga e funda de madeira, cheia de água. Ofereceu-nos, num gesto, aproximando-nos a taça. Não nos conseguimos mexer. Pousou-a calmamente aos nossos pés, sem nunca desviar o olhar de nós. Mesmo à nossa frente, de joelhos flectidos, víamos-lhe a cara meiga e a barba por fazer.
- Olá, sou o Rud. - disse, sorridente, estendendo a mão.
A Natalia, que me apertava agora o braço com menos força, estendeu-lhe timidamente a mão.
- Natalia! - soltei.
- Rud! - gritou o homem que segurava a tocha, atrás dele.
Ela olhou para mim, ele olhou para trás. Olharam depois um para o outro e recolheram as mãos.
- Bebam, é água. - disse, recuando.
Os outros entravam, um a um, pela porta rebaixada. Alinhavam-se encostados à madeira, do outro lado da cabana, sem nunca se aproximarem de nós. Eram nove ao todo. Como nós... Observavam-nos silenciosos. O Jean-Pierre, ainda a olhar-me, preparava-se para falar.
- Não estejam assustadas, por favor. Não vos queremos comer... Acreditem que isto é uma surpresa maior para nós do que para vocês. Vimo-vos chegar à ilha. Sabemos que naufragaram - parou por uns momentos, engasgado nas palavras - Sei que devia estar triste por vocês, mas não consigo deixar de estar contente por nós. Desculpem se não escondo o meu sorriso. É bom ver mais alguém ao fim de três anos...
- E meio... - corrigiu o homem da tocha.
- Ou isso, Benny. Três anos e meio... - olhou para o vazio em frente dele, de olhos arregalados e testa suada, os caracóis do seu cabelo a mexerem com a respiração forte. Inspirou fundo e soltou uma frase de dentro de si - Há três anos e meio que naufragámos.

***

Na praia, a noite ia já longa. Nove de um lado, nove do outro, homens e mulheres tentavam conhecer-se, dar um pouco de si uns aos outros. A Natalia dividia com o Rud uma garrafa de vodka e a taça de morangos que eles tinham trazido, sentados na areia molhada, mergulhando as pernas nas ondas. As outras, ao fundo, encostadas nas rochas, aqueciam-se com o fogo das tochas e aninhavam-se em grupos, com eles, indiscriminadamente, cobertas com mantas das cabanas.
Sentadas na areia, contava ainda à Carmen o que eles nos tinham dito quando sentimos tocarem-nos nos ombros.
- Vais beber isso sozinha?
O Benny sorria para a Carmen. Atrás dele, o Jean-Pierre mastigava qualquer coisa e olhava para a lua, que se punha, vermelha, no mar. A Carmen passou a garrafa para as mãos do Benny e esticou os braços. Ele ajudou-a a levantar-se e foram-se embora, ela apoiada nele, bebendo mais uns goles da garrafa e apalpando-lhe o rabo. Olhei para o Jean-Pierre.
- O que é que estás a comer?
- Não faço ideia. Queres?
- Não, obrigada.
Sentou-se ao meu lado e abriu a palma da mão.
- É um fruto qualquer. É bom.
Provei. Ouvi-o rir-se da cara que fiz. Sabe a... Bebi mais vodka para tirar o sabor do fruto da boca, enquanto ele se deitava para trás, a cabeça na areia. Olhava para o céu com os olhos brilhantes de há pouco.
- Fazes-me lembrar a minha namorada.
Senti o coração bater mais rápido e as mãos tremerem-me. Deixei de pensar por uns segundos.
- Karolina...
- Shh...
Beijámo-nos.

JB

terça-feira, julho 19, 2005

O mundo é um lugar bonito demais

Faziam de banda. Agora são uma banda. JB

segunda-feira, julho 18, 2005

O mundo é um lugar bonito

Foi em Junho que os conheci. O calor já circulava com o vento e o ano acabava devagarinho. Sentia o passar dos minutos carregados pelo sol enquanto caminhava para a boca do metro. Ir a casa, preparar a mala, ir ter com eles. Certo. Combinámos ali meia hora mais tarde. Íamos à praia. Os rostos passavam por mim, agitados, do mesmo modo que eu passava pela vida, levados pela corrente de ar do túnel. Chiça! É o meu metro. Aproveitei a desculpa e compensei o hambúrguer acabado de comer. Pus-me no cais do metro num piscar de olhos… Mesmo a tempo de ver o comboio a sair. Não é o meu dia. Definitivamente. Como, aliás, poucos o são. Virei-me de costas para a linha e comecei a contemplar os cartazes de publicidade. Ainda me recordo da sensação de aconchego espiritual que me invadiu. Via o brilho dos meus olhos reflectido no vidro que me separava deles. Lá estavam eles. O Mister D, o Zé Milho, o Ruca e o Topê. Preferiam que lhes chamasse D’ZRT. Gosto! Dá um ar mais unido e evidencia o que cada um traz ao grupo. Mas como se lerá? Soube mais tarde - após uma pesquisa conturbada em que o Google me perguntou se eu não queria dizer “dirt” - que se lê “dessert”, que é como quem diz “sobremesa”. A cobertura de açúcar estava lá, de facto. Mostravam um semblante carregado como quem me quer ensinar uma lição e as calças largas e penteados que o não eram inquietavam-me. Mas eu gostei daquele espírito! A minha vida precisava da atitude deles. Precisava de me rebelar. De me fazer ouvir. De mostrar que “para mim tanto me faz” e que tenho direito a essa apatia! Deixem os jovens em paz! Gritava o meu eu interior enquanto chorava de alegria por ter encontrado quem o compreendesse. Estava salvo.
A partir de então não mais os larguei. Juntei-me às milhares de fãs e fui vê-los ao vivo. Tive sorte. Era dos mais altos e consegui ver tudo, o que também multiplicou os pedidos de cavalitas por parte das juvenis espectadoras. Que estilo! Que atitude! Que pausa! És lindo Topê! O mundo pareceu-me mais bonito naquele momento. As vozes entoavam as músicas, os beijos voavam num fluxo contínuo e recíproco, os “Adoro-vos D’ZRT” inclinavam-se ao som das melodias nos braços fraquejantes das fãs mais cansadas... A vida parecia mais simples, como alguém disse um dia, e eu encontrei o meu caminho. Adooooowwooooo-vuuuuuxxxxxxxx! BF

quinta-feira, julho 14, 2005

Fruto Silvestre

Deitadas de biquini, a apanhar sol, a bordo de um cruzeiro no Mediterrâneo, com a Trafaria por trás:
- Ouve lá, Zé Carlos, estás muito entusiasmada hoje.
- Não sejas estúpida!
- Tem calma. Só te acho com melhor cara do que ontem.
- Não sejas estúpida!
- A sério. Que sorriso é esse?
- Não sejas estúpida!
- Passa-se alguma coisa que eu deva saber?
- Não sejas estúpida!

- Pois eu acho que estás apaixonada.
- Não sejas estúpida!
- Quem era aquele sujeito todo janota que te salvou de te afogares na piscina?
- Não sejas estúpida!
- Convidou-te para jantar?
- Não sejas estúpida!
- Devias aproveitar. Ele tem uma massa muscular estupenda!
- Não sejas...
- O Rodas é homossexual!
- É o quê?
- Muito homossexual.
- Não sejas estúpida!

Fielmente Livremente interpretado dos episódios de Morangos Com Açúcar. JB

quarta-feira, julho 13, 2005

You're so vague...

Loukos anos vinte

Fiquei a saber pela série Alves dos Reis que nos anos vinte se introduzia uma frase com "é assim". Pareceu-me ouvir um "tipo" e um "whatever" mas acredito no poder da sugestão. JB

sábado, julho 09, 2005

Era esta, Berhan?


Natalie Portman

O cabelo louro esvoaçante, a pele tostada pelo sol, a teimosia em guardar o sorriso só para si. De facto. Encaixa na descrição. BF
(Pede-se aos leitores menos atentos que leiam a posta de baixo)

sexta-feira, julho 08, 2005

Metafísica

Cheguei à paragem do autocarro. Olha, ela... Sentada de perna cruzada no banco da paragem, a rapariga com quem me costumava cruzar perto de minha casa olhava o vazio em frente, debruçada sobre nada, o queixo apoiado nas mãos. Éramos os únicos na paragem, à excepção de uma senhora adormecida e seus sacos de plástico, pelo que optei por ir sentar-me ali ao lado, no passeio. Tudo sujo! Encostei-me antes a um carro e fiquei a olhá-la.
Ela estava ali, do outro lado da cidade, à espera do mesmo autocarro que eu. Não sabíamos o nome um do outro, nunca nos tínhamos falado, nunca um "olá" nem sequer um aceno. Quando eu descia a rua, vinha ela a subir, quando eu subia, ia ela a descer. Cruzávamo-nos, olhávamo-nos, eu sorria, ela não. Sempre os mesmos olhos tristes.
Vestia uma saia verde comprida que voava com o vento leve que por nós passava. O cabelo louro ondulava, tocava-lhe a pele queimada. Abanava o chinelo pendurado no pé. Sentiu que eu a olhava, voltou-se e olhou-me nos olhos. Desviei o olhar, fingi cantar. Vi, de lado, que o chinelo lhe caía do dedo grande. Calçou-o de novo com o pé, ajeitando o cabelo atrás da orelha, sem nunca desviar o olhar de onde eu estava. Fiz-lhe frente e olhei-a também. Desviou o olhar. Um autocarro aparecia lá ao fundo.
- É o 38, dona... - dizia uma comadre, que entretanto aparecera, para a outra que dormitava.
Entrámos, eu a seguir a ela. Ela pediu bilhete e eu fui sentar-me nos bancos de trás. Vi-a agradecer ao motorista, picar o bilhete e sentar-se lá à frente, voltada para trás. Cruzámos os olhos de novo e desviámo-los mais uma vez. Olhávamos agora pela janela. O Jardim da Estrela, o Pedro Nunes, o Rato, a Braancamp, o Marquês, Picoas. Carregou no botão para sair, em frente ao palácio Sotto Mayor. Já? Pensei que morasses mais perto de mim. A porta abriu-se e ela saiu. Esperou que o autocarro andasse para olhar para dentro dele, pela janela. Olhámo-nos por fim. Carreguei no botão, ia sair a seguir.
Passando pelo Picoas Plaza, lembrei-me que era quinta-feira, que tocávam já as primeiras bandas que tinham sido seleccionadas. Para o ano somos nós... Entrei e espreitei pelo varandim. Já estão a arrumar, claro.... Saía, desapontado, a olhar para o relógio, quando choquei com alguém.
- Desculpe...
Ela outra vez. Olhou-me, surpresa, mexeu os lábios para falar, não disse nada e continuou a andar num passo descontraído. Ia para onde eu ia. Pela primeira vez, subia quando eu subia. Deixei-a ir à frente, dei-lhe espaço, fingi esperar alguém. Não tens pressa, tu. Vieste pelo caminho mais giro, com mais árvores. No fim da rua, antes de virar a esquina, olhou para trás e procurou os meus olhos. Desapareceu.
Para a próxima subo a rua contigo. Percebi, ao acordar, que tinha andado um quarteirão a mais, que tinha já passado a minha casa. Estúpido...
Nunca lhe vi o sorriso. É linda, assim. JB

quarta-feira, julho 06, 2005

Duro Direito Duro

Soube hoje, num intervalo de poucas horas, que a infracção que cometi há mais de um ano ao Código da Estrada não implicaria apenas uma sanção acessória de inibição de conduzir de um mês, mas antes a caducidade da minha carta de condução...à luz do novo Código da Estrada de Fevereiro deste ano (maldito artigo 12º do C.C.)!

Pois eu sei que é em má hora que eu revelo a minha opinião em relação a este monumento legislativo que é o Código da Estrada, e por isso, por ser clara a minha posição em causa própria, apenas deixo uma questão no ar e que se prende há tanto tempo na minha garganta: terá sido algum jurista a elaborá-lo? O código é claro. Ou terá sido uma besta?

Agora que partilhei a minha dor, quero dedicar este post a um professor que tanto ironiza o positivismo, porque - e num último grito de dor - por um quilómetro por hora (1KM/h) ficarei sem carta...fiquei a gostar um pouco menos de Direito. RR

segunda-feira, julho 04, 2005

Cenas (novas) da vida conjugal

"Mulheres sentem mais dor que os homens, segundo estudo"

Já estou a imaginar as conversas domésticas:
- Estou com uma dor de cabeça dos diabos hoje, querida. Não te importas de fazer o jantar?
- Dor de cabeça?! Tu não sabes o que é uma dor de cabeça! Nunca tiveste os miolos em água. Nunca sentiste a larva esfomeada a passear-se, obrigando-te a fechar os olhos de não poderes mais. Não me venhas falar de dores de cabeça!
- O que é querias mesmo para comer, fofinha?
BF

sábado, julho 02, 2005

Sou assim

Hoje apaixonei-me por uma rapariga que não conheço.
É a segunda vez esta semana. JB

sexta-feira, julho 01, 2005

Can you say brainwashing?

"China cria clínicas com tratamentos para viciados em Internet"

Estou a ver o género.

"O governo chinês está a licenciar clínicas médicas para aplicar tratamentos literalmente de choque (que incluem muitas vezes choques eléctricos), para pessoas consideradas viciadas na Internet."

Bem me pareceu. Já estou a imaginar os critérios de avaliação do grau de vício. E o tipo de pessoas viciadas.

Agora que penso nisso vejo, de facto, o quão viciante pode ser a palavra "liberdade" na China. BF

Não pensam...

"Inventada pastilha elástica que não se cola"

E quem se lixa é o MacGyver. BF

Com o verão, vem o tiro ao alvo

"NASA atingirá cometa com projéctil a 4 de Julho"

Bush queria uma coisa diferente para as celebrações deste ano do 4 de Julho. O resultado foi antecipado pela imprensa como o primeiro «fogo de artifício cósmico» da história.
A mim parece-me um pouco precipitado. Ainda nem sequer sabemos se temos espectadores "lá fora" e já andamos a dar espectáculo. BF